Salmo 85. 1-7; 10-13
Deparamo-nos com um hino, uma poesia, que
já foi e continua sendo base para importantes pronunciamentos e posicionamentos,
que denunciam as estruturas e poderes da morte. E anunciam um recomeço que
inclui a misericórdia, a salvação de Deus, o caminho em que justiça e paz,
abraçadas, dão ritmo aos passos do povo de Deus.
Os primeiros a cantarem esse Salmo voltavam do
cativeiro babilônico. Com sede de liberdade, de paz, de justiça, de salvação,
cantaram e oraram a Deus. Manifestaram a vontade de ver misericórdia, recomeço,
novidades, salvação!!! Cantaram a sede de reconciliação com a dignidade, uns
com os outros, com a Criação e com o amor de Deus.
Destaco o versículo 7, que diz: “Mostra-nos,
Senhor, a tua misericórdia e concede-nos a tua salvação.”
(Salmo 85.7)
Creio que a nossa maior tragédia está na
dificuldade em ver a presença de Deus, da sua graça e misericórdia, do seu amor
e salvação, no mundo, entre nós e na Criação.
Nessa escuridão aparecem tochas,
lamparinas, lâmpadas mágicas, holofotes, lanternas, velas, fósforos e
isqueiros. Ou, tal como em nossa cidade com ruas, avenidas, becos, escadas,
viadutos e túneis diversos caminhos para a vida se apresentam e nos deixam
confusos, amendrontados, angustiados e perdidos. Então, entendemos a palavra de
Jesus ao olhar para a multidão: Está perdida e abandonada tal como ovelhas sem
pastor. Vivemos um tempo da espiritualidade do egoísmo e da escravidão.
Atacados, escutamos vozes, e muitos passam a
acreditar em fantasmas, fantasiam a prosperidade, o futuro e a salvação. Porém,
poucos, atentam para alguns sinais: “Nem todo aquele que gritar Senhor, Senhor, entrará nos
reino dos céus”, “O lobo virá vestido de cordeiro...” “Uns vão dizer o Reino de Deus está aqui,
outros vão dizer está ali...”
Essa nossa tragédia está embalsamada
pela loucura humana, pelo comprometimento dos valores que educam para a paz e
para a justiça. Pelas estruturas sociais que se baseiam em um modelo dominado
pelos donos das riquezas capitais e econômicas, também os seus súditos.
Conhecemos os seus prazeres e poderes vorazes, sedutores - ópio sem futuro.
Enquanto uns não tem onde morar e o que comer
recursos são desviados para os projetos do embelezamento e de infra-estruturas,
voltadas para atender caprichos da minoria privilegiada. Na escuridão
escutamos, sem ver, arautos que, de forma absurda, questionam a legitimidade de
dar comida, moradia, educação, dignidade aos quem não tem. Essas vozes
endemoniadas impõem o medo e o silêncio diante do desperdício, do desrespeito,
da violência, do ataque aos bens comuns e aos projetos baseados em princípios
de justiça e da paz.
Também em nossas Igrejas há grupos
cegos que optam pelo eterno retorno, insistem em caminhar em círculos,
desviando da misericórdia e da luz de Deus que iluminam novas possibilidades.
A justiça e a paz estão apodrecidas!
Chega de repetir o que já sabemos!
A Palavra do Salmo 85 nos remete a
uma situação de recomeço. Nos chama para confiar na paz, nos seres humanos;
também em respeito aos que nos tomam como exemplo, e pelos que ainda chegarão
ao mundo. A Palavra de Deus e a sua presença misericordiosa entre nós nos
preparam para resistir à violência e contem a graça de iluminar novos caminhos.
Estou ouvindo uma voz. É João Batista. Ele alerta: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2)
Conhecemos bem a nossa tragédia e a
nossa escuridão. Falta-nos, portanto, olhos para verem a misericórdia de Deus,
a presença da sua salvação, a luz em meio à escuridão.
É Tempo de Advento e de celebrar o
Natal. Tempo para ficar atentos, para criar caminhos e
espaços que facilitem ver a misericórdia de Deus. Tempo de preparar a
celebração do Natal de Deus no mundo. Por misericórdia Ele veio ao mundo,
tornou-se pessoa humana para salvar e revelar o seu reino. Mesmo quando não o vemos,
ele está ao nosso lado – Jesus declarou: Eis
que estarei convosco até a consumação dos séculos. O verbo se tornou carne. Ele está presente em
toda a Criação.
Nesse tempo de fantasias e de falsas luzes, perturbados
pela morte caminhamos. E, não esqueçamos jamais, somos Igrejas de Jesus, o
Cristo de Deus, chamadas para anunciar a misericórdia, o amor e a salvação.
Anunciar a festa, o lanche da comunhão, onde Jesus se revela, tal como
aconteceu com os discípulos de Emaus. Em meio aos motivos de lamento,
tristezas, derrotas, quando pararam para comer e descansar os seus olhos se
abriram para ver a salvação, a presença de Jesus.
Conhecemos o caminho da comunhão com Deus e a fé no fato de que o
mundo é sustentado pelo amor e pela misericórdia de Deus. Falta-nos escolhê-lo,
optar por ele.
Esse
é o milagre. Uma dádiva, o maior presente: Perceber e ver a revelação do reino
dos céus, da misericórdia de Deus, presente entre nós desde o nascimento do
menino Jesus.
Novamente somos
convidados, convidadas, para celebrar com o Espírito Santo o natal da vida no
mundo, que doa dignidade, renovação, reconciliação, o “nascer de novo”. A graça de Deus, nos oferta a possibilidade de participar da sua missão
e do seu reino. E ver a sua misericórdia
e a sua presença salvadora em nossa realidade. rir caminhos, espaço para Deus! Por graça nos é possível
oferecer comunhão e fazer uma festa. Celebrar a confiança e a esperança na vida
maior do que os poderes que matam. Ver a
misericórdia e a salvação de Deus, E cheios de alegria avistamos o seu
misericordioso olhar, a sua luz, que vence a nossa escuridão.
(Guilherme Lieven - Mensagem pronunciada na Igreja da Consolação, SP, em 2001, Celebração de Advento do MOFIC)