Esta palavra bíblica vem do discurso de João Batista, que anuncia a
chegada de um novo tempo, do reino dos céus, da presença de Deus no mundo. Pelo
ritual do arrependimento propõe a preparação para viver essa novidade, um
recomeço de vida em comunhão com Deus.
Os relatos bíblicos indicam que a chegada da nova aliança de Deus ao
mundo, realizada em Jesus Cristo, gerou as primeiras comunidades cristãs que,
com o tempo, agregaram a sua vivência de fé rituais de recomeço, por exemplo, o
batismo, a confissão de pecados acompanhada do anúncio da graça, imposição de
mãos, e outros gestos mais tarde incorporados ao calendário das Igrejas cristãs.
A proposta bíblica de
arrependimento e recomeço é como um milagre. Afinal escapa ao controle da razão
e remete a uma ação de fé, que se concretiza na realidade existencial da pessoa
humana. Tem a força de um processo que
leva ao rompimento e, consequente, adoção de uma novidade, novidade de vida.
O recomeço proposto por João Batista não é um truque, ou um ritual sem
sentido. Não tem semelhança com a
repetição da segunda-feira, do dia 1º do mês e de cada novo ano, criando a impressão de que a vida é cíclica,
que recomeça sem a opção e o envolvimento da pessoa humana. O arrependimento
conjugado com o recomeço acontece quando a pessoa humana interage com Deus pela
fé, e busca, ou aceita, a novidade de vida, o nascer de novo, dádivas do reino dos
céus, da ação salvífica de Jesus. Não podemos confundir o recomeço antecipado
pelo o arrependimento, com uma visão cíclica dos fatos e dos tempos, equiparada
a uma retomada do passado, ou a um retorno.
A Igreja e suas comunidades
propõem, através do seu calendário eclesiástico, envolver cada pessoa no
movimento arrependimento e recomeço. Oferece celebrações e rituais que
acompanham um processo cotidiano de renascimento, o encerramento de uma etapa e
o reinício de outra. No mês de novembro, por exemplo, confronta as pessoas com
a escatologia, com o final dessa história e com a esperança na plenitude do reino que nasceu
no mundo em Jesus cristo. E, em dezembro, apresenta a proposta de preparação para
o novo, qual seja festejar a chegada de Deus ao mundo, o natal. Para tanto
designa os quatro domingos antes do Natal, denominados de Advento, como tempo
de preparação, também de arrependimento, para viver um novo recomeço com o Deus
que nasceu no mundo.
No natal as pessoas humanas são confrontadas e agraciadas com uma
grande mudança, a fantástica revelação de Deus. E elas podem, pela fé,
interagir com ela. Deus descobre o jeito definitivo e universal de tocar o
mundo e as pessoas, através de um menino humilde e da mensagem do amor
incondicional. Deus nasce e o mundo inteiro começa de novo.
Esse é o milagre. Perceber a chegada do reino dos céus no mundo e arrepender-se
de todos os projetos e ações que matam. Comprometer-se com o natal da vida, que
inclui a renovação, a limpeza, a regeneração – o recomeço.
Esse fenômeno, de forma similar, faz parte do dia-a-dia de milhares de
pessoas, que experimentam os pequenos milagres do recomeço: novo emprego, saída
de longos dias no hospital, retorno à realidade após a prisão, divórcio, novo
endereço, nascimento de uma neta, ou neto, perda de um ente querido,
rompimentos, retorno das férias e tantos outros.
Com essa reflexão dou testemunho da necessidade e da eficácia do
arrependimento que leva ao recomeço. É certo que podemos encontrar nesse
processo a superação de conflitos, perdas, dores e sofrimentos, participar da
construção de espaços onde habitam a justiça, a paz, o amor, a solidariedade,
sinais do reino dos céus que estão presentes. E revelam a comunhão com o Deus da
graça que, invariavelmente, conduz à liberdade e preparara as pessoas para agirem
com criatividade no movimento sagrado que recria a vida e a paz.
O chamado e anúncio de João é como fonte de água viva, que refresca,
acalma e anima. Tal como cama, depois de um dia e uma noite sem parar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário