Aprendi
a olhar com atenção e respeito à história de cuidados e amor da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil com as crianças, adolescentes e
jovens. Ela herdou ações que promoveram a educação contínua em suas comunidades
eclesiásticas e, ao mesmo tempo, construiu escolas e comprometeu-se com a
educação pública.
Herdou
da Reforma do século XVI, em especial de Martim Lutero, a compreensão de que
cabe à igreja formar bons cristãos, e exigir das autoridades públicas o serviço
da educação para todas as pessoas. Os primeiros luteranos e luteranas, que
chegaram da Europa ao Brasil, trouxeram consigo essa visão, e logo se
preocuparam com a educação das crianças, adolescentes e jovens. No início,
antes de construírem templos, através de ações e esforços comunitários
próprios, edificaram espaços para a educação dos seus filhos e filhas.
Hoje
são visíveis as iniciativas e ações de apoio, construção de espaços, projetos
pedagógicos e elaboração de material na área da educação cristã. Cita-se,
ainda, o apoio a rede sinodal de educação, que acompanha e participa da gestão
de dezenas de escolas. E em suas
comunidades eclesiásticas criaram instituições de ação social, envolvidas na
educação popular e nas ações diaconais transformadora. Associada a estas
iniciativas soma-se, também, a formação de catequistas, diáconos e lideranças
comunitárias que atuam com protagonismo na área da educação pública em
municípios e estados.
A
IECLB desenvolveu uma forma singular de participar e comprometer-se com a
educação cristã e com a educação pública em nosso país. A sua confissão,
teologia e testemunho da ação salvadora de Deus no mundo, desautoriza a
instrumentalização da educação para o proselitismo. Através da teologia da
justificação pela fé, testemunha que o futuro da vida, pela fé, está resolvido,
mediante a abundante graça de Deus. Mas, em gratidão às dádivas de Deus, todos
respondem ao chamado de Deus para participar da sua missão de antecipar para
esse mundo sinais de dignidade, de justiça, da paz e da comunhão com vida plena.
Essa tarefa da igreja, nos últimos anos,
exigiu a elaboração de um Plano de Educação Contínua (PEC) com o objetivo de
orientar pedagogicamente todas as iniciativas comunitárias e instâncias de
formação. Uma resposta responsável aos compromissos herdados e assumidos.
A
história da IECLB, suas tarefas e compromissos atuais na área da educação
visibilizam o cuidado de amor com as crianças, adolescentes e jovens. Trata-se de um carisma profético. Um carisma baseado
no anúncio e na denúncia. Ele identifica o anúncio de uma tarefa edificadora,
que surge da realidade contrária à vontade de Deus e se articula na denúncia de
uma situação desastrosa a ser transformada, ou reconstruída. Anuncia para a
sociedade civil a mensagem da responsabilidade e compromisso com a educação de
crianças, adolescentes e jovens. Fortalece processos de resistência às forças
que impedem a dignidade, a liberdade, os direitos e a comunhão com Deus. E, ao
mesmo tempo, denuncia o descaso e a visível irresponsabilidade política,
pública e social com a educação delas e deles. Ele acusa os sistemas, modelos
educacionais e poderes nefastos que cerceiam o bem-estar, o acesso ao lazer e
esporte e a construção da consciência de liberdade, preservação da Criação e
dos valores da justiça e da paz.
Transitou
e foi aprovada na Câmara Federal a proposta de lei que reduz a idade penal de
18 para 16 anos nos casos de crimes
hediondos. Muitos segmentos da
sociedade, grupos religiosos, igrejas, organizações civis, também forças
políticas partidárias se surpreenderam com a repentina articulação de força
política para aprovar uma emenda constitucional, que diminui a idade penal de
18 para 16 anos. Assistiram a cômica expiação dos pecados de uma das instâncias
e poder político, até então, mais combatido no Brasil, questionado em
manifestações de rua, acintosamente perseguida pela grande mídia. De uma hora para outra o poder político parlamentar
federal passou a atender os interesses da “família do bem”, ao criminalizar
adolescentes brasileiros de 16 a 18 anos de idade.
Uma antiga leitura dualista da realidade
brasileira aflora na sociedade e na opinião pública. Agora passa a ser legítima
a escolha e definição das pessoas e organizações “do bem”, em detrimento da criminalização
do “resto” da sociedade brasileira. Emerge, sem nenhum escrúpulo, o racismo, o
fundamentalismo, o individualismo extremo e o culto a violência
institucionalizada. A grande expiação dos pecados dessa instituição de poder
legislativo parece respaldar-se numa lógica punitiva, que envolve o castigo e
elege a violência como caminho para a transformação da realidade.
Creio que a lei votada na Câmara Federal
está equivocada e os argumentos estão fortemente travados por leituras
ideológicas da questão e da situação dos adolescentes brasileiros. Em uma
sociedade injusta, desigual e extremamente violenta uma força política
institucional passa a protagonizar a transformação do Estado brasileiro em uma
nação que pune e mata os adolescentes. Os “novos” representantes do “bem”, sem
apresentar alternativas e propostas de paz para os adolescentes e jovens, aparelham
o Estado com uma velha lei que pune e encobre o verdadeiro problema da violência
instalada na realidade brasileira, enfraquecendo as pequenas instituições civis
e religiosas, também os processos de transformação, fundamentados em princípios
éticos de paz, de justiça e de comunhão com Deus.
É
tempo de apoiar as igrejas e todas as instituições civis que ensaiam e praticam
a construção da paz, o cuidado e a promoção da dignidade e da vida de
adolescentes e jovens. Anunciam o bem, baseando-se nos princípios do evangelho
de Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, denunciam o desrespeito, a violência e a
criminalização, que encobrem irresponsabilidades, injustiças e pecados, agora expiados
na tragédia de poucos, que mortos, praticam a morte.
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