Introdução
Ter a coragem de deixar o abrigo.
Despir-se de tudo o que tem. Relativizar todos os meios de segurança.
Abdicar-se de privilégios e prêmios. Eis o desafio singular nesse tempo em que
nos convencem a salvar-nos a nós mesmos. Essas atitudes e desafio estão
relacionados às exigências para o seguimento a Jesus, presentes no texto de
Lucas.
Exegese
Para encontrar a mensagem central de
Lucas 14.25-33 consideramos importante a parábola anterior que ilumina o
descaso de alguns ao convite de Jesus para participar do banquete, do Reino de
Deus. Mas, outro segmento de pessoas,
socialmente identificado, aceita o convite para a festa da vida com facilidade
e alegria. Da mesma forma a parábola do sal, após o nosso texto censura a
comunhão sem gosto, sem comprometimento visível, ou real.
A primeira leitura dos versículos 25
a 33 cria a impressão de que o seguimento a Jesus não é coisa para multidões
(V.25). Porém, no texto anterior o dono da festa almeja a casa cheia (V.23).
Jesus afirma que as “portas do reino” estão abertas para as pessoas que o amam
mais do que a si mesmo e a sua família – abrigo, proteção, sociabilidade,
segurança alimentar, identidade, sabedoria e valores do clã (V.26). O
seguimento inclui a coragem de morrer, de perder, e assim mesmo o acompanhar
(v.26), uma comunhão de vida e destino. A participação no Reino de Deus,
conforme os sinópticos é sempre mediada pelo seguimento a Jesus.
Também textos de Marcos (1.18; 2.14;
6.1 e outros) indicam que os seguidores de Jesus compunham um círculo mais
restrito. O chamado e o comprometimento envolviam a submissão a autoridade de
Jesus, tendo em vista a opção por uma adesão pessoal e duradoura. O verbo
seguir descrevia a cumplicidade e fidelidade especial dos seguidores com Jesus.
Certamente, na época, abandonar a
família significava abandonar o clã, o projeto econômico e social de vida,
também de subsistência. O Seguimento a
Jesus não incluía os privilégios dos sacerdotes e dos poderes da Ordem do
Templo. Implicava em submeter-se as
privações da vida peregrina, exposta as ameaças e conflitos com os adversários
e poderes estabelecidos. Mesmo sem grau
de importância vale observar aqui, que João Batista foi um peregrino do deserto
e Jesus o peregrino das vilas e cidades. Lucas destacou este perfil peregrino
de Jesus (4.30; 5.12,; 6.1,12,17; 7.1,11 e outros).
Verificamos que Jesus, conforme
Lucas destaca a necessidade de conhecer as consequências da opção em juntar-se
a ele. As parábolas da construção da torre (V.28-30) e da preparação para a
guerra (V 31-32) enfatizam que a opção pelo seguimento a Jesus precisa ser
refletida, medida e calculada.
A conclusão do texto (V.33) não
deixa dúvida de que as exigências estão relacionadas ao "deixar tudo para
trás". O texto não nos autoriza uma amenização. O seguimento a Jesus
pressupõe a coragem de romper com os compromissos e meios de vida anteriores a
vocação. O tempo e o caminho são novos e determinados por Jesus.
As comunidades cristãs pós – pascal
encontravam-se fragilizadas pela transitoriedade dos seus membros e por ameaças
constantes como seguidores a Jesus. Em determinadas épocas a perseguição
inviabilizava a comunhão e esvaziava a fidelidade. As comunidades pós-pascal, em especial
aquelas que foram berço para o evangelho de Lucas, por volta dos anos 70, foram
formadas numa estrutura social mais ampla, composta por pessoas ligadas às suas
famílias, com profissão, ou outro meio de sustento. O comprometimento com a
comunidade cristã era desafiador, exigia muito.
Exegetas nos informam que Lucas
buscou fazer frente também à crise de identidade das comunidades cristãs,
instalada pelos contrastes entre as comunidades gentílicas e as judaicas. O
retorno e resgate à situação vivida pelo Jesus de Nazaré e os seus discípulos
foram escolhidos por Lucas como fundamento para destacar referencias comuns
para a construção da identidade nas diferentes situações.
Assim pressupomos que os relatos dos
evangelistas sobre as advertências de Jesus a respeito dos perigos que
envolviam o seu seguimento, ao serem proclamados nas comunidades pós-pascal
integravam, com destaque, o conteúdo das parêneses. As palavras de Jesus
proclamadas nas comunidades fortaleciam a opção, a fidelidade e a resistência
às ameaças, exclusão e enfraquecimento e, ao mesmo tempo, asseguravam
identidade. A imagem do círculo dos
discípulos de Jesus antes da cruz e ressurreição é apresentada com
naturalidade, tendo a forma de modelo para a vida cristã, a única que
conheciam, remetendo a equiparação da comunhão dos discípulos de Jesus com a
comunhão com o Cristo ressurreto. Percebe-se nas comunidades pós-pascal a busca
pela reprodução da obediência incondicional e contundente dos discípulos. Desta
forma compreendemos a importância e o destaque à necessidade de os seguidores
de Jesus, antes e depois da páscoa, conhecer as implicações e privações
relacionadas ao seguimento, ou a participação na comunidade. O conteúdo de fé
das comunidades estava fundamentado no entendimento de que a participação na
salvação acontecia através da comunhão com o Cristo crucificado e ressurreto, o
Jesus histórico de Nazaré.
Meditação
As comunidades da nossa IECLB, também
as de outras denominações cristãs parceiras e ecumênicas, nas pequenas e
grandes cidades estão expostas a diversos desafios. Em nosso tempo a herança
dos valores, metas, tradições e identidades do passado não são suficientes para
legitimar a participação e comprometimento de pessoas em comunidades que
interagem com a realidade e seu contexto.
A evangelização, a diaconia, a comunhão e a liturgia passam pelo desafio
da atualização do discipulado, da fidelidade com o seguimento ao Senhor da
Igreja, Jesus Cristo. Tarefa nova e
externa à dinâmica de exercício de poder instalado e institucionalizado, que
devido aos contrastes e oposição exige compromisso, fidelidade e amor,
planejamento e reconhecimento dos perigos e das consequências envolvidas.
A comunidade cristã é chamada para
anunciar a dignidade e a plenitude da vida, responder a pergunta pelo sentido
da existência humana, conjugando a ação profética de denunciar a destruição, a
injustiça e a idolatria com o anúncio da presença do reino de Deus, através dos
espaços e sinais da gratuidade, comunhão e da construção de igualdade e paz.
Esta vocação está exposta a ambientes urbanos enormes, compostos por grandes
aglomerações de pessoas, com suas múltiplas culturas, objetivos e projetos de
vida, quase sempre confusos, enraizados em situações sociais diversas e
conflitantes. Esse "mundo", apesar da fragilidade e dos perigos abriga
o carisma da graça e do amor de Deus, que se instala como espaço para o
exercício comunitário e profético de revelar a vida nova em meio à dor, perdas,
violência, injustiça, exploração. Deus está presente no mundo com a sua missão.
O texto de Lucas proclama que todos são chamados para dela participar
conscientes das demandas, compromisso e consequências relacionadas as exigências
do seguimento a Jesus.
Compõe o chamado de Jesus a arte de
conjugar a parábola do banquete, encher a casa com aqueles que aceitam o
convite e, ao mesmo tempo, a vigilância para constantemente desprender-se da
sedução de tornar-se comunidade com as características de um "clã",
voltada para si mesma e auto-suficiente, tal como um condomínio urbano que ao
criar uma infra-estrutura para os seus morados os isolam da cidade, da
comunidade maior, dos compromissos da cidadania e da construção desmintais do
reino em meio a realidade de morte.
Por graça e misericórdia de Deus é possível, ainda,
nos colocarmos em diferentes contextos como aprendizes da revelação e do
testemunho bíblico que nos comprometem com os sinais da nova vida, projetando-nos
para além dos nossos próprios limites.
A nossa realidade está marcada pelas injustiças,
violência, pobreza, fome, doenças, desestruturação familiar e pelo descaso aos
valores da paz e às dádivas do Evangelho. Onde a pobreza e a riqueza convivem e
brigam no palco da indiferença, da omissão, do medo, da angústia e da
fatalidade. Ambiente
que promove o distanciamento entre as pessoas, o esvaziamento dos valores de
vida, da dignidade e da história.
A palavra de Lc 14.25-33 nos anima a
inspirarmos na comunidade do Jesus histórico e nas dificuldades das comunidades
pós- pascal. Indica a definição da vocação, lugar e missão da igreja, ou da
comunidade crista, nos diferentes contextos, como tarefa que assegura a identidade
e comunhão com o salvador Jesus cristo. Exige a apropriação das consequências
do seguimento a Jesus e do aprendizado das comunidades pós Pascal, que não se
conformavam com a fragilidade do engajamento dos seus membros e se dedicavam
para não comprometer a dimensão diaconal de convidar, acolher e dar “colo” aos
cansados e sobrecarregados, aos aflitos e excluídos.
Imagens para a prédica:
Certo
de que a Palavra de Lucas desafia-nos a proclamar as exigências do discipulado
incorporadas ao carisma, dádiva, graça e tarefa da comunidade cristã apresento indicações
para a elaboração da prédica.
Sugiro
escolher e preparar quatro imagens: Uma que visualize situações de injustiças,
perdas e sofrimento; Outra que comunica situação de conflito e criminalização
da comunidade cristã, devido ao teor e conteúdo do seu testemunho; A terceira,
que enfoque a comunidade como espaço para o acolhimento, cuidado e diaconia; E
a última, que aborde ação de testemunho, evangelização e missão.
Elas
poderão ser impressas e distribuídas no início do culto ou celebração. Certamente
as imagens despertarão curiosidades e motivaram interpretações. Poderão também,
caso a comunidade tenha esse recurso técnico, ser projetadas em uma tela.
O
objetivo é promover a aproximação e a identificação das comunidades de hoje com
a comunidade dos discípulos de Jesus e Pós-pascal. Apontar para a fidelidade e
comprometimento com o discipulado a ser vivido em comunidade de fé
contextualizada, compostas por pessoas, filhas e filhos de Deus, santas e
pecadoras, cidadãs do mundo e já participantes nos sinais do Reino de Deus.
Ajudar os ouvintes a se libertarem de posturas fundamentalistas e incorporarem
a simultaneidade, o já e o ainda não, que desautoriza o juízo humano e o
afastamento da realidade e do contexto. Mas, que desperta para o discipulado ao
Deus presente com a sua missão transformadora.
A
elaboração dessa mensagem para um público alvo, marcado pela realidade das
cidades, torna-se fundamental considerar que o “mundo urbano”, o quotidiano e o
movimento pela sobrevivência, dificultam comprometimentos, fidelidade
comunitária e a apropriação de valores da partilha e da gratidão, do serviço e
do amor. Nessa realidade não é comum
fazer cálculos e planejar opções e compromissos. As pessoas estão envolvidas e
“afetadas” pela dinâmica do improviso, do provisório, simples e prático. O
comum é usufruir de tudo que está em volta, uma espécie de cultura do
aproveitamento e instrumentalização de tudo para o meu próprio benefício. A tendência
é aproximar-se de Jesus com os vícios e as atitudes de consumo.
O
texto de Lucas, no entanto, não autoriza julgamentos e condenações. Inspira a
mensagem que ajuda o fortalecimento do discipulado e da comunidade cristã com
seus carismas, desafios e tarefas curadoras e transformadoras.
Guilherme Lieven
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