22 de fevereiro de 2013

Lucas14.25-33 - Estudo


Introdução
Ter a coragem de deixar o abrigo. Despir-se de tudo o que tem. Relativizar todos os meios de segurança. Abdicar-se de privilégios e prêmios. Eis o desafio singular nesse tempo em que nos convencem a salvar-nos a nós mesmos. Essas atitudes e desafio estão relacionados às exigências para o seguimento a Jesus, presentes no texto de Lucas.

Exegese
Para encontrar a mensagem central de Lucas 14.25-33 consideramos importante a parábola anterior que ilumina o descaso de alguns ao convite de Jesus para participar do banquete, do Reino de Deus.  Mas, outro segmento de pessoas, socialmente identificado, aceita o convite para a festa da vida com facilidade e alegria. Da mesma forma a parábola do sal, após o nosso texto censura a comunhão sem gosto, sem comprometimento visível, ou real.


A primeira leitura dos versículos 25 a 33 cria a impressão de que o seguimento a Jesus não é coisa para multidões (V.25). Porém, no texto anterior o dono da festa almeja a casa cheia (V.23). Jesus afirma que as “portas do reino” estão abertas para as pessoas que o amam mais do que a si mesmo e a sua família – abrigo, proteção, sociabilidade, segurança alimentar, identidade, sabedoria e valores do clã (V.26). O seguimento inclui a coragem de morrer, de perder, e assim mesmo o acompanhar (v.26), uma comunhão de vida e destino. A participação no Reino de Deus, conforme os sinópticos é sempre mediada pelo seguimento a Jesus.
Também textos de Marcos (1.18; 2.14; 6.1 e outros) indicam que os seguidores de Jesus compunham um círculo mais restrito. O chamado e o comprometimento envolviam a submissão a autoridade de Jesus, tendo em vista a opção por uma adesão pessoal e duradoura. O verbo seguir descrevia a cumplicidade e fidelidade especial dos seguidores com Jesus.
Certamente, na época, abandonar a família significava abandonar o clã, o projeto econômico e social de vida, também de subsistência.  O Seguimento a Jesus não incluía os privilégios dos sacerdotes e dos poderes da Ordem do Templo.  Implicava em submeter-se as privações da vida peregrina, exposta as ameaças e conflitos com os adversários e poderes estabelecidos.  Mesmo sem grau de importância vale observar aqui, que João Batista foi um peregrino do deserto e Jesus o peregrino das vilas e cidades. Lucas destacou este perfil peregrino de Jesus (4.30; 5.12,; 6.1,12,17; 7.1,11 e outros).
Verificamos que Jesus, conforme Lucas destaca a necessidade de conhecer as consequências da opção em juntar-se a ele. As parábolas da construção da torre (V.28-30) e da preparação para a guerra (V 31-32) enfatizam que a opção pelo seguimento a Jesus precisa ser refletida, medida e calculada.
A conclusão do texto (V.33) não deixa dúvida de que as exigências estão relacionadas ao "deixar tudo para trás". O texto não nos autoriza uma amenização. O seguimento a Jesus pressupõe a coragem de romper com os compromissos e meios de vida anteriores a vocação. O tempo e o caminho são novos e determinados por Jesus.
As comunidades cristãs pós – pascal encontravam-se fragilizadas pela transitoriedade dos seus membros e por ameaças constantes como seguidores a Jesus. Em determinadas épocas a perseguição inviabilizava a comunhão e esvaziava a fidelidade.  As comunidades pós-pascal, em especial aquelas que foram berço para o evangelho de Lucas, por volta dos anos 70, foram formadas numa estrutura social mais ampla, composta por pessoas ligadas às suas famílias, com profissão, ou outro meio de sustento. O comprometimento com a comunidade cristã era desafiador, exigia muito.
Exegetas nos informam que Lucas buscou fazer frente também à crise de identidade das comunidades cristãs, instalada pelos contrastes entre as comunidades gentílicas e as judaicas. O retorno e resgate à situação vivida pelo Jesus de Nazaré e os seus discípulos foram escolhidos por Lucas como fundamento para destacar referencias comuns para a construção da identidade nas diferentes situações.
Assim pressupomos que os relatos dos evangelistas sobre as advertências de Jesus a respeito dos perigos que envolviam o seu seguimento, ao serem proclamados nas comunidades pós-pascal integravam, com destaque, o conteúdo das parêneses. As palavras de Jesus proclamadas nas comunidades fortaleciam a opção, a fidelidade e a resistência às ameaças, exclusão e enfraquecimento e, ao mesmo tempo, asseguravam identidade.  A imagem do círculo dos discípulos de Jesus antes da cruz e ressurreição é apresentada com naturalidade, tendo a forma de modelo para a vida cristã, a única que conheciam, remetendo a equiparação da comunhão dos discípulos de Jesus com a comunhão com o Cristo ressurreto. Percebe-se nas comunidades pós-pascal a busca pela reprodução da obediência incondicional e contundente dos discípulos. Desta forma compreendemos a importância e o destaque à necessidade de os seguidores de Jesus, antes e depois da páscoa, conhecer as implicações e privações relacionadas ao seguimento, ou a participação na comunidade. O conteúdo de fé das comunidades estava fundamentado no entendimento de que a participação na salvação acontecia através da comunhão com o Cristo crucificado e ressurreto, o Jesus histórico de Nazaré.
Meditação
As comunidades da nossa IECLB, também as de outras denominações cristãs parceiras e ecumênicas, nas pequenas e grandes cidades estão expostas a diversos desafios. Em nosso tempo a herança dos valores, metas, tradições e identidades do passado não são suficientes para legitimar a participação e comprometimento de pessoas em comunidades que interagem com a realidade e seu contexto.  A evangelização, a diaconia, a comunhão e a liturgia passam pelo desafio da atualização do discipulado, da fidelidade com o seguimento ao Senhor da Igreja, Jesus Cristo.  Tarefa nova e externa à dinâmica de exercício de poder instalado e institucionalizado, que devido aos contrastes e oposição exige compromisso, fidelidade e amor, planejamento e reconhecimento dos perigos e das consequências envolvidas.
A comunidade cristã é chamada para anunciar a dignidade e a plenitude da vida, responder a pergunta pelo sentido da existência humana, conjugando a ação profética de denunciar a destruição, a injustiça e a idolatria com o anúncio da presença do reino de Deus, através dos espaços e sinais da gratuidade, comunhão e da construção de igualdade e paz. Esta vocação está exposta a ambientes urbanos enormes, compostos por grandes aglomerações de pessoas, com suas múltiplas culturas, objetivos e projetos de vida, quase sempre confusos, enraizados em situações sociais diversas e conflitantes. Esse "mundo", apesar da fragilidade e dos perigos abriga o carisma da graça e do amor de Deus, que se instala como espaço para o exercício comunitário e profético de revelar a vida nova em meio à dor, perdas, violência, injustiça, exploração. Deus está presente no mundo com a sua missão. O texto de Lucas proclama que todos são chamados para dela participar conscientes das demandas, compromisso e consequências relacionadas as exigências do seguimento a Jesus.
Compõe o chamado de Jesus a arte de conjugar a parábola do banquete, encher a casa com aqueles que aceitam o convite e, ao mesmo tempo, a vigilância para constantemente desprender-se da sedução de tornar-se comunidade com as características de um "clã", voltada para si mesma e auto-suficiente, tal como um condomínio urbano que ao criar uma infra-estrutura para os seus morados os isolam da cidade, da comunidade maior, dos compromissos da cidadania e da construção desmintais do reino em meio a realidade de morte.
Por graça e misericórdia de Deus é possível, ainda, nos colocarmos em diferentes contextos como aprendizes da revelação e do testemunho bíblico que nos comprometem com os sinais da nova vida, projetando-nos para além dos nossos próprios limites.
A nossa realidade está marcada pelas injustiças, violência, pobreza, fome, doenças, desestruturação familiar e pelo descaso aos valores da paz e às dádivas do Evangelho. Onde a pobreza e a riqueza convivem e brigam no palco da indiferença, da omissão, do medo, da angústia e da fatalidade. Ambiente que promove o distanciamento entre as pessoas, o esvaziamento dos valores de vida, da dignidade e da história.
A palavra de Lc 14.25-33 nos anima a inspirarmos na comunidade do Jesus histórico e nas dificuldades das comunidades pós- pascal. Indica a definição da vocação, lugar e missão da igreja, ou da comunidade crista, nos diferentes contextos, como tarefa que assegura a identidade e comunhão com o salvador Jesus cristo. Exige a apropriação das consequências do seguimento a Jesus e do aprendizado das comunidades pós Pascal, que não se conformavam com a fragilidade do engajamento dos seus membros e se dedicavam para não comprometer a dimensão diaconal de convidar, acolher e dar “colo” aos cansados e sobrecarregados, aos aflitos e excluídos.

Imagens para a prédica:
Certo de que a Palavra de Lucas desafia-nos a proclamar as exigências do discipulado incorporadas ao carisma, dádiva, graça e tarefa da comunidade cristã apresento indicações para a elaboração da prédica.
Sugiro escolher e preparar quatro imagens: Uma que visualize situações de injustiças, perdas e sofrimento; Outra que comunica situação de conflito e criminalização da comunidade cristã, devido ao teor e conteúdo do seu testemunho; A terceira, que enfoque a comunidade como espaço para o acolhimento, cuidado e diaconia; E a última, que aborde ação de testemunho, evangelização e missão.
Elas poderão ser impressas e distribuídas no início do culto ou celebração. Certamente as imagens despertarão curiosidades e motivaram interpretações. Poderão também, caso a comunidade tenha esse recurso técnico, ser projetadas em uma tela.
O objetivo é promover a aproximação e a identificação das comunidades de hoje com a comunidade dos discípulos de Jesus e Pós-pascal. Apontar para a fidelidade e comprometimento com o discipulado a ser vivido em comunidade de fé contextualizada, compostas por pessoas, filhas e filhos de Deus, santas e pecadoras, cidadãs do mundo e já participantes nos sinais do Reino de Deus. Ajudar os ouvintes a se libertarem de posturas fundamentalistas e incorporarem a simultaneidade, o já e o ainda não, que desautoriza o juízo humano e o afastamento da realidade e do contexto. Mas, que desperta para o discipulado ao Deus presente com a sua missão transformadora.
A elaboração dessa mensagem para um público alvo, marcado pela realidade das cidades, torna-se fundamental considerar que o “mundo urbano”, o quotidiano e o movimento pela sobrevivência, dificultam comprometimentos, fidelidade comunitária e a apropriação de valores da partilha e da gratidão, do serviço e do amor.  Nessa realidade não é comum fazer cálculos e planejar opções e compromissos. As pessoas estão envolvidas e “afetadas” pela dinâmica do improviso, do provisório, simples e prático. O comum é usufruir de tudo que está em volta, uma espécie de cultura do aproveitamento e instrumentalização de tudo para o meu próprio benefício. A tendência é aproximar-se de Jesus com os vícios e as atitudes de consumo.
O texto de Lucas, no entanto, não autoriza julgamentos e condenações. Inspira a mensagem que ajuda o fortalecimento do discipulado e da comunidade cristã com seus carismas, desafios e tarefas curadoras e transformadoras.
Guilherme Lieven

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