9 de julho de 2015

Sair do Cativeiro

Salmo 85. 1-7; 10-13
Deparamo-nos com um hino, uma poesia, que já foi e continua sendo base para importantes pronunciamentos e posicionamentos, que denunciam as estruturas e poderes da morte. E anunciam um recomeço que inclui a misericórdia, a salvação de Deus, o caminho em que justiça e paz, abraçadas, dão ritmo aos passos do povo de Deus.
 Os primeiros a cantarem esse Salmo voltavam do cativeiro babilônico. Com sede de liberdade, de paz, de justiça, de salvação, cantaram e oraram a Deus. Manifestaram a vontade de ver misericórdia, recomeço, novidades, salvação!!! Cantaram a sede de reconciliação com a dignidade, uns com os outros, com a Criação e com o amor de Deus.
 Destaco o versículo 7, que diz: Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia e concede-nos a tua salvação.” (Salmo 85.7)
 Creio que a nossa maior tragédia está na dificuldade em ver a presença de Deus, da sua graça e misericórdia, do seu amor e salvação, no mundo, entre nós e na Criação.
Nessa escuridão aparecem tochas, lamparinas, lâmpadas mágicas, holofotes, lanternas, velas, fósforos e isqueiros. Ou, tal como em nossa cidade com ruas, avenidas, becos, escadas, viadutos e túneis diversos caminhos para a vida se apresentam e nos deixam confusos, amendrontados, angustiados e perdidos. Então, entendemos a palavra de Jesus ao olhar para a multidão: Está perdida e abandonada tal como ovelhas sem pastor. Vivemos um tempo da espiritualidade do egoísmo e da escravidão.
Atacados, escutamos vozes, e muitos passam a acreditar em fantasmas, fantasiam a prosperidade, o futuro e a salvação. Porém, poucos, atentam para alguns sinais: “Nem todo aquele que gritar Senhor, Senhor, entrará nos reino dos céus”, “O lobo virá vestido de cordeiro...”  “Uns vão dizer o Reino de Deus está aqui, outros vão dizer está ali...”
 Essa nossa tragédia está embalsamada pela loucura humana, pelo comprometimento dos valores que educam para a paz e para a justiça. Pelas estruturas sociais que se baseiam em um modelo dominado pelos donos das riquezas capitais e econômicas, também os seus súditos. Conhecemos os seus prazeres e poderes vorazes, sedutores - ópio sem futuro.
Enquanto uns não tem onde morar e o que comer recursos são desviados para os projetos do embelezamento e de infra-estruturas, voltadas para atender caprichos da minoria privilegiada. Na escuridão escutamos, sem ver, arautos que, de forma absurda, questionam a legitimidade de dar comida, moradia, educação, dignidade aos quem não tem. Essas vozes endemoniadas impõem o medo e o silêncio diante do desperdício, do desrespeito, da violência, do ataque aos bens comuns e aos projetos baseados em princípios de justiça e da paz.
Também em nossas Igrejas há grupos cegos que optam pelo eterno retorno, insistem em caminhar em círculos, desviando da misericórdia e da luz de Deus que iluminam novas possibilidades.
A justiça e a paz estão apodrecidas!
 Chega de repetir o que já sabemos!
A Palavra do Salmo 85 nos remete a uma situação de recomeço. Nos chama para confiar na paz, nos seres humanos; também em respeito aos que nos tomam como exemplo, e pelos que ainda chegarão ao mundo. A Palavra de Deus e a sua presença misericordiosa entre nós nos preparam para resistir à violência e contem a graça de iluminar novos caminhos. Estou ouvindo uma voz. É João Batista. Ele alerta: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2)
Conhecemos bem a nossa tragédia e a nossa escuridão. Falta-nos, portanto, olhos para verem a misericórdia de Deus, a presença da sua salvação, a luz em meio à escuridão.
     É Tempo de Advento e de celebrar o Natal. Tempo para ficar atentos, para criar caminhos e espaços que facilitem ver a misericórdia de Deus. Tempo de preparar a celebração do Natal de Deus no mundo. Por misericórdia Ele veio ao mundo, tornou-se pessoa humana para salvar e revelar o seu reino. Mesmo quando não o vemos, ele está ao nosso lado – Jesus declarou: Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos.  O verbo se tornou carne. Ele está presente em toda a Criação.
 Nesse tempo de fantasias e de falsas luzes, perturbados pela morte caminhamos. E, não esqueçamos jamais, somos Igrejas de Jesus, o Cristo de Deus, chamadas para anunciar a misericórdia, o amor e a salvação. Anunciar a festa, o lanche da comunhão, onde Jesus se revela, tal como aconteceu com os discípulos de Emaus. Em meio aos motivos de lamento, tristezas, derrotas, quando pararam para comer e descansar os seus olhos se abriram para ver a salvação, a presença de Jesus.
Conhecemos o caminho da comunhão com Deus e a fé no fato de que o mundo é sustentado pelo amor e pela misericórdia de Deus. Falta-nos escolhê-lo, optar por ele.
Esse é o milagre. Uma dádiva, o maior presente: Perceber e ver a revelação do reino dos céus, da misericórdia de Deus, presente entre nós desde o nascimento do menino Jesus.
 Novamente somos convidados, convidadas, para celebrar com o Espírito Santo o natal da vida no mundo, que doa dignidade, renovação, reconciliação, o “nascer de novo”.  A graça de Deus, nos oferta a possibilidade de participar da sua missão  e do seu reino. E ver a sua misericórdia e a sua presença salvadora em nossa realidade. rir caminhos, espaço para Deus! Por graça nos é possível oferecer comunhão e fazer uma festa. Celebrar a confiança e a esperança na vida maior do que os poderes que matam. Ver a misericórdia e a salvação de Deus, E cheios de alegria avistamos o seu misericordioso olhar, a sua luz, que vence a nossa escuridão.
(Guilherme Lieven - Mensagem pronunciada na Igreja da Consolação, SP, em 2001, Celebração de Advento do MOFIC)

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