8 de novembro de 2015

2 Timóteo 13.14-4.5 - Pregar o Evangelho em meio à crise


Introdução

O texto 2 Timóteo 3.14-4.5 permite uma valorosa mensagem para  as comunidades cristãs. Já no início, no tempo dos primeiros passos das comunidades cristãs rumo a uma melhor estruturação da Igreja de Jesus Cristo, com sua dimensão eclesiástica, fez-se necessário perseverança, fidelidade e dedicação na divulgação do evangelho. Também o discernimento entre o que ameaça e o que fortalece a comunidade.  Em nosso tempo a mesma mensagem nos convida para o compromisso e fidelidade na proclamação do evangelho e da ação salvífica de Jesus Cristo.


Exegese

Os cristãos de Éfeso enfrentavam dificuldades. Conforme a carta a Timóteo, conviviam com falsas doutrinas, falsos ensinos sobre a ressurreição (2.18), fábulas e mitos.  E nessa situação Timóteo é chamado e incentivado a pregar em meio à crise, a ser persistente, fiel, justo, qualificado para toda a obra, em especial para proclamar o evangelho a partir da sua fé em Jesus Cristo.

Timóteo nasceu em Listra, na província da Galácia ou Gália da Ásia. Seu pai era grego e sua mãe judia, que se tornou cristã. Quando Paulo o encontrou, já era um discípulo dos apóstolos. Conhecia as escrituras, os decretos dos apóstolos (At 16.4). Estudou sob a orientação da sua avó Lóide e sua mãe Eunice (2 Tm 1.5) e de Paulo aprendeu do evangelho. Timóteo participou das viagens missionárias de Paulo e da formação e fortalecimento das primeiras comunidades cristãs. Foi um líder cristão, reconhecido em sua época. Certamente foi o primeiro bispo de Éfeso.

Um jovem, líder da igreja, que recebeu a missão de pregar e ensinar em uma comunidade em conflito.

V. 3. 14: Timóteo é chamado para retomar os fundamentos do seu aprendizado, que teve origem anterior à crise instalada. “Permanecer firme no que aprendeu”. O “de quem”, na Vulgata aprece a variação “de que mestres”. E, certamente, se refere a sua avó, sua mãe e Paulo.

V. 3.15: As sagradas “Letras”, são os livros dos profetas e outros da tradição judaica. Também é traduzida por “Escrituras” sagradas. Desde criança Timóteo conheceu os livros sagrados da tradição judaica. O conhecimento de Timóteo das “Letras” sagradas, com a fé em Jesus Cristo, lhe conferiu a sabedoria para comunicar a palavra que tem o poder da salvação.

V. 3.16: Toda “Escritura”, inspirada por Deus serve, “é útil” para ensinar a verdade, corrigir falhas e definir a maneira correta de viver. Os apóstolos ensinavam que as “escrituras sagradas”, as mensagens dos profetas, foram inspiradas pelo Espírito Santo e guiadas por Deus (2 Pd 1.21). Timóteo é convencido de que a partir das Escrituras Sagradas, com a sua fé em Jesus Cristo, está pronto para ensinar a verdade, corrigir e discernir a maneira justa para as pessoas viverem. Ou, conforme outra tradução: “Para educar na justiça”.

V. 3.17: Para que “o homem de Deus”, ou em outra tradução, a melhor: “O servo de Deus” seja perfeito, preparado para servir, para boa obra. O servir a Deus está relacionado com a maneira justa de viver.

V. 4.1: É uma admoestação diante, em nome, de Deus e de Jesus Cristo e da sua obra de salvação que se completará. Tem a conotação de um ritual de confissão de fé, certamente já praticado nas comunidades.

V. 4.2: Pregar, insistir, admoestar, advertir, reprovar, aconselhar com paciência e ensino (com didática) são definições da tarefa, o ministério, transferido a Timóteo.

V. 4.3: Chegará o tempo em que não “suportarão a sã doutrina”. Conforme 1 Tm 6.3, a sã doutrina  está relacionada com as palavras de Jesus Cristo, transmitidas pelo ensino com piedade.  A sã doutrina não se baseia em preceitos das pessoas, ou de seus costumes (Mc 7.7). Mas, aquela advogada pelo apóstolo Paulo, a Boa Nova da graça de Deus (At 20.24). A doutrina de Jesus é a de quem o enviou, procede de Deus (Jo 7.16). A multidão ficou maravilhada com a doutrina que Jesus proferiu no monte (Mt 7.28) Encontramos a sã doutrina nos ensinamentos e na ação salvífica de Jesus. ... Mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos. Certamente esse é o conflito principal nas comunidades cristãs. Outra doutrina, ou ensinamentos, ou “verdades diferentes e contraditórias”, que agradam e encantam, estão sendo ensinadas nas comunidades.

V. 4.4: “Desviarão os ouvidos da verdade”. Está em questão a negação do conteúdo da fé, dos ensinamentos dos apóstolos e da sã doutrina de Jesus Cristo. ... Entregavam-se às fábulas. As fábulas religiosas, daquele tempo pertenciam à tradição oral. De origem oriental, os gregos e romanos as usavam para sedimentar verdades sobre a alma, a natureza humana, os costumes e criar novas tradições, contrárias a verdade do evangelho.

V.4.5: “Tu, porém...” Retoma a admoestação. Reafirma o pedido a Timóteo para que desempenhe a sua tarefa de pregar, insistir, admoestar, advertir, reprovar, aconselhar. “...sê sóbrio em tudo, suporta o sofrimento, faz o trabalho de um anunciador do Evangelho.”  Aconselha e aponta para as consequências da fidelidade aos ensinamentos dos profetas e apóstolos, e ao chamado para anunciar a sã doutrina de Jesus Cristo.



O conteúdo dos versículos 3.14 a 4.1 preparam a definição da tarefa a ser assumida por Timóteo, e destaca o seu currículo. Ele tem sabedoria, é justo, crê em Jesus Cristo, conhece as sagradas escrituras inspiradas por Deus, tem a confiança dos apóstolos. Está preparado para o ministério, para combater o bom combate. Portanto, sua tarefa é: Proclamar a boa nova do evangelho, a sã doutrina de Jesus Cristo, admoestar, insistir, aconselhar. Fazer isso com sobriedade, paciência e didática.

Os versículos 4.3-5 antecipa uma análise das consequências da ação em meio à oposição e aos opositores.  Faz uma leitura do desafio. Renova a admoestação para desempenhar com zelo a sua tarefa, e confirma o seu preparo e a sua fidelidade à sã doutrina. Requisitos que garantem legitimidade para o seu ministério.

Observo, ainda, que o texto indica um traço hermenêutico a ser adotada por Timóteo. Qual seja, o de comunicar a palavra, inspirada por Deus, a partir da sua fé em Jesus Cristo, da sua fé na ressurreição de Jesus. O conhecimento do evangelho e da Sagrada Escritura ao passar pelo centro da fé, Jesus Cristo, leva à verdade e à salvação. A fé em Jesus Cristo, os seus ensinamentos e a sua ação salvadora, somadas a sabedoria, paciência, didática e fidelidade, auxiliam na interpretação da sã pregação e o discernimento da verdade.



Meditação:

A nossa realidade é conflituosa. As comunidades cristãs se formam e vivem a fé em Jesus Cristo em contextos de disputas e sofrimentos, vazios de certezas e de valores que assegurem justiça, caminhos, esperanças, sonhos, objetivos e horizontes novos. Os conteúdos da fé cristã, o evangelho e a vivência da fé em Jesus Cristo transitam na contramão do fluxo principal e imponente da sociedade.  Não é estranha a percepção de que as comunidades fiéis ao evangelho enxugam gelo. Sua incidência humana, evangelizadora e missionária encontra-se invisível e, numa leitura racional, sem efeito. Assim como no tempo do chamado ao Timóteo, em nosso tempo, faz-se necessário perseverar na proclamação e na vivência da fé em Jesus Cristo, para contrapor à crise.

A realidade exige constante busca pelo discernimento entre o que ameaça e o que fortalece a comunidade na vivência da fé e na sua missão.  A Bíblia, a palavra de Deus, está perdendo a sua autoridade. Seu conteúdo e sua mensagem seguem diluídos em discursos, ritos e práticas religiosas não menos contraditórias e conflituosas, que legitimam um modo de vida que nega o evangelho.  Em outro viés comunicam verdades teológicas e interpretações bíblicas que representam, ou estão a serviço, de segmentos e movimentos cristãos, geralmente autoritários, fundamentalistas que incidem na sociedade, legitimando disputas, exclusão e injustiças. O cenário é desolador. A pessoa humana, a sua dignidade religiosa, seus direitos fundamentais estão cada vez mais comprometidos. Nessa crise, em meio à pluralidade de interesses religiosos, políticos, econômicos num palco hedonista, a palavra é manipulada e transformada em instrumento para legitimar fábulas, conteúdos de autoajuda e sistemas de desvirtuamento dos fins da estrutura social, com poder adulterador de valores comunitários e individuais que estão na contramão da vontade de Deus. Nesse contexto os fracos são incitados a elegerem inimigos entre si e a abandonar o espelho, mesmo que turvo, para não verem a si mesmos, sua história, seus valores e sentido e, consequentemente, os sistemas que os escravizam e matam.  Estes são traços da atual perigosa crise, que reside também nas comunidades cristãs.

Nesse contexto e situação em conflito, as comunidades cristãs são chamadas para se fortalecer, caminhar na contramão, enxugar gelo e proclamar a boa nova do evangelho, a sã doutrina de Jesus Cristo, admoestar, insistir, aconselhar. Inserir-se na crise com coragem, humildade, sobriedade, paciência e didática.

Em outra época, em realidade semelhante, no século VXI, a Reforma da Igreja Cristã, protagonizada por Martin Lutero, deu testemunho histórico da busca pelo retorno da sã doutrina de Jesus, a boa nova da graça de Deus. Martim Lutero afirmou: “...nossa doutrina e conduta não se baseiam em nós mesmos, e o que fazemos não por causa de nós, e sim, por causa de Cristo, o Senhor, de quem nos vêm todas as coisas e por cuja vontade pregamos, vivemos e sofremos”. (Castelo Ano: 1983, Volume: 1) O movimento da reforma moveu-se em direção ao retorno à palavra, a fé em Jesus Cristo e a cristologia. Necessitou da reelaboração da teologia da cruz, da justificação, da escatologia, da mediação e sacerdócio, também dos fundamentos da eclesiologia e a defesa da hermenêutica, cuja chave passou a ser Jesus Cristo, o próprio Cristo de Deus. Para Martim Lutero toda a Bíblia deve ser interpretada a partir de Jesus Cristo, visando o próprio Cristo.

A Comunidade cristã, chamada para dar testemunho do evangelho, está inserida na realidade conflituosa, onde as multidões estão vazias de sentido e descomprometidas com a dignidade humana e justiça. A Comunidade cristã acolhe as pessoas que conhecem as escrituras e são fiéis com a fé em Jesus cristo e, simultaneamente, as simpatizantes dos conteúdos que ajudam a viver e abstrair vantagens no movimento expressivo e visível da sociedade em crise, onde as escrituras sagradas são uteis desde que não exijam compromisso, vínculos, comunhão, justiça e seguimento à ação salvadora de Deus em Jesus Cristo.  Este é o contexto da pregação do evangelho, em atendimento ao chamado expresso no texto de 2 Timóteo 4.14-4.5.



Imagens para a Prédica

Sugiro incluir na pregação a imagem de transitar na contra mão. Chamar a atenção dos e das ouvintes que viver o evangelho coloca a comunidade da contramão do fluxo maior da sociedade, da realidade e contexto. Pode-se também usar a imagem do “secar gelo”, que corresponde ao insistir em pregar e viver o evangelho e não ver mudanças, mesmo com a fé na ação livre do Espírito Santo.

Sem a pretensão de dar uma aula sobre conhecimentos bíblicos, também seria importante solicitar a um grupo ou pessoa da comunidade para construir uma caixa em forma da Bíblia, semelhante a uma Bíblia. Mostrar aos ouvintes uma “bíblia vazia” em comparação à Bíblia com os seus livros, que contem a Palavra de Deus. Essa dinâmica ajuda na pregação, quando abordar a questão da sã escritura que ilumina a verdade, interpretada a partir da concepção de que Jesus Cristo é o centro da Palavra.

Considero de grande importância incluir na pregação a dimensão individual do chamado ao Timóteo, nesse caso à liderança e, simultaneamente, a dimensão comunitária da vivência da fé e pregação do evangelho. Apresentar a comunidade como um corpo que move, ou a Igreja de Jesus Cristo, visível e invisível, inserida na sociedade conflituosa.

Evitar uma pregação que não identifica o conteúdo do evangelho, da ação salvífica de Deus em Jesus Cristo. O texto de 2 Timóteo 4.14-4.5 exige uma síntese dos valores, das dádivas, da ação de amor de Deus presentes na realidade conflituosa, onde as comunidades cristãs se movem na contramão.



Subsídios litúrgicos

A celebração precisa iniciar com um hino de exaltação ao amor de Deus.

Ajudaria muito colocar próximo ao altar um grupo para puxar vários panos em direção contrária, para simbolizar um conflito, uma disputa. E sem se referir à cena fazer a saudação trinitária. A cena ajudará comunicar o Deus de amor, que está presente na realidade em crise, conflituosa.

Incluir na confissão de pecados a tentação de viver e cultivar valores e ideias, acríticos à realidade controlada por poderes e valores, conteúdos, vozes e imagens que confundem e subvertem a verdade da salvação de Deus. Pedir perdão pela falta de fidelidade e coragem para mover-se na contramão do fluxo da sociedade violenta, vazia de valores da paz e da justiça.

No Kyrie rogar pelos fracos escravizados pela manipulação da interpretação e pregação da palavra de Deus e dos conteúdos do evangelho. Rogar pelas multidões que caminham sem rumo, vazias de esperança e fé no verdadeiro evangelho de Jesus cristo.

Na oração do dia referir-se ao contexto da comunidade, à sua fraqueza, à necessidade da proclamação do evangelho para movimentar-se e dar testemunho do amor, presença e salvação de Deus.

Fazer as três leituras bíblicas. No momento das leituras poder-se-ia avaliar a importância de colocar uma pessoa da Comunidade nas mediações do altar, com aquela caixa em forma de bíblia nas mãos, encenando uma leitura.

A bênção e o envio precisam contemplar o desafio de retornar para casa e para o dia-a-dia fortalecido para viver a fé em Jesus Cristo, mesmo que não será fácil manter-se fiel ao evangelho e dar testemunho da sua fé.



Bibliografia

MERKEL. H. Die Pastoralbriefe. Göttingen: Vandenhoek & Ruprecht, 1991 (NTD 9\1).

BAYER. Oswald. A teologia de Martim Lutero. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2007

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