Introdução
O texto 2 Timóteo 3.14-4.5 permite uma
valorosa mensagem para as comunidades
cristãs. Já no início, no tempo dos primeiros passos das comunidades cristãs
rumo a uma melhor estruturação da Igreja de Jesus Cristo, com sua dimensão
eclesiástica, fez-se necessário perseverança, fidelidade e dedicação na
divulgação do evangelho. Também o discernimento entre o que ameaça e o que
fortalece a comunidade. Em nosso tempo a
mesma mensagem nos convida para o compromisso e fidelidade na proclamação do
evangelho e da ação salvífica de Jesus Cristo.
Exegese
Os cristãos de Éfeso enfrentavam dificuldades. Conforme a
carta a Timóteo, conviviam com falsas doutrinas, falsos ensinos sobre a
ressurreição (2.18), fábulas e mitos. E
nessa situação Timóteo é chamado e incentivado a pregar em meio à crise, a ser
persistente, fiel, justo, qualificado para toda a obra, em especial para
proclamar o evangelho a partir da sua fé em Jesus Cristo.
Timóteo nasceu em Listra, na
província da Galácia ou Gália da Ásia. Seu pai era grego e sua mãe judia, que se
tornou cristã. Quando Paulo o encontrou, já era um discípulo dos apóstolos.
Conhecia as escrituras, os decretos dos apóstolos (At 16.4). Estudou sob a
orientação da sua avó Lóide e sua mãe Eunice (2 Tm 1.5) e de Paulo aprendeu do
evangelho. Timóteo participou das viagens missionárias de Paulo e da formação e
fortalecimento das primeiras comunidades cristãs. Foi um líder cristão, reconhecido em sua
época. Certamente foi o primeiro bispo de Éfeso.
Um
jovem, líder da igreja, que recebeu a missão de pregar e ensinar em uma
comunidade em conflito.
V. 3. 14: Timóteo é chamado para
retomar os fundamentos do seu aprendizado, que teve origem anterior à crise
instalada. “Permanecer firme no que
aprendeu”. O “de quem”, na
Vulgata aprece a variação “de que
mestres”. E, certamente, se refere a sua avó, sua mãe e Paulo.
V. 3.15: As sagradas “Letras”, são os livros dos profetas e
outros da tradição judaica. Também é traduzida por “Escrituras” sagradas. Desde criança Timóteo conheceu os livros
sagrados da tradição judaica. O conhecimento de Timóteo das “Letras” sagradas, com a fé em Jesus
Cristo, lhe conferiu a sabedoria para comunicar a palavra que tem o poder da
salvação.
V. 3.16: Toda “Escritura”, inspirada por Deus serve, “é útil” para ensinar a verdade, corrigir falhas e definir a
maneira correta de viver. Os apóstolos ensinavam que as “escrituras sagradas”,
as mensagens dos profetas, foram inspiradas pelo Espírito Santo e guiadas por
Deus (2 Pd 1.21). Timóteo é convencido de que a partir das Escrituras Sagradas,
com a sua fé em Jesus Cristo, está pronto para ensinar a verdade, corrigir e
discernir a maneira justa para as pessoas viverem. Ou, conforme outra tradução:
“Para educar na justiça”.
V. 3.17: Para que “o homem de Deus”, ou em outra tradução,
a melhor: “O servo de Deus” seja
perfeito, preparado para servir, para boa obra. O servir a Deus está
relacionado com a maneira justa de viver.
V. 4.1: É uma admoestação diante, em
nome, de Deus e de Jesus Cristo e da sua obra de salvação que se completará.
Tem a conotação de um ritual de confissão de fé, certamente já praticado nas
comunidades.
V. 4.2: Pregar, insistir, admoestar,
advertir, reprovar, aconselhar com paciência e ensino (com didática) são
definições da tarefa, o ministério, transferido a Timóteo.
V. 4.3: Chegará o tempo em que não “suportarão a sã doutrina”. Conforme 1 Tm
6.3, a sã doutrina está relacionada com
as palavras de Jesus Cristo, transmitidas pelo ensino com piedade. A sã doutrina não se baseia em preceitos das
pessoas, ou de seus costumes (Mc 7.7). Mas, aquela advogada pelo apóstolo
Paulo, a Boa Nova da graça de Deus (At 20.24). A doutrina de Jesus é a de quem
o enviou, procede de Deus (Jo 7.16). A multidão ficou maravilhada com a
doutrina que Jesus proferiu no monte (Mt 7.28) Encontramos a sã doutrina nos
ensinamentos e na ação salvífica de Jesus. ... Mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão
para si mestres segundo os seus próprios desejos.
Certamente esse é o conflito principal nas comunidades cristãs. Outra doutrina,
ou ensinamentos, ou “verdades diferentes e contraditórias”, que agradam e
encantam, estão sendo ensinadas nas comunidades.
V. 4.4: “Desviarão os ouvidos da verdade”. Está em questão a negação do
conteúdo da fé, dos ensinamentos dos apóstolos e da sã doutrina de Jesus Cristo.
... Entregavam-se às fábulas. As
fábulas religiosas, daquele tempo pertenciam à tradição oral. De origem
oriental, os gregos e romanos as usavam para sedimentar verdades sobre a alma, a
natureza humana, os costumes e criar novas tradições, contrárias a verdade do
evangelho.
V.4.5: “Tu, porém...” Retoma a admoestação. Reafirma o pedido a Timóteo
para que desempenhe a sua tarefa de pregar, insistir, admoestar, advertir,
reprovar, aconselhar. “...sê sóbrio em tudo, suporta o sofrimento, faz o trabalho
de um anunciador do Evangelho.”
Aconselha e aponta para as consequências da fidelidade aos ensinamentos
dos profetas e apóstolos, e ao chamado para anunciar a sã doutrina de Jesus
Cristo.
O conteúdo dos versículos 3.14 a 4.1 preparam a definição
da tarefa a ser assumida por Timóteo, e destaca o seu currículo. Ele tem
sabedoria, é justo, crê em Jesus Cristo, conhece as sagradas escrituras
inspiradas por Deus, tem a confiança dos apóstolos. Está preparado para o
ministério, para combater o bom combate. Portanto, sua tarefa é: Proclamar a
boa nova do evangelho, a sã doutrina de Jesus Cristo, admoestar, insistir,
aconselhar. Fazer isso com sobriedade, paciência e didática.
Os versículos 4.3-5 antecipa uma
análise das consequências da ação em meio à oposição e aos opositores. Faz uma leitura do desafio. Renova a
admoestação para desempenhar com zelo a sua tarefa, e confirma o seu preparo e a
sua fidelidade à sã doutrina. Requisitos que garantem legitimidade para o seu
ministério.
Observo, ainda, que o texto indica um
traço hermenêutico a ser adotada por Timóteo. Qual seja, o de comunicar a
palavra, inspirada por Deus, a partir da sua fé em Jesus Cristo, da sua fé na
ressurreição de Jesus. O conhecimento do evangelho e da Sagrada Escritura ao
passar pelo centro da fé, Jesus Cristo, leva à verdade e à salvação. A fé em
Jesus Cristo, os seus ensinamentos e a sua ação salvadora, somadas a sabedoria,
paciência, didática e fidelidade, auxiliam na interpretação da sã pregação e o
discernimento da verdade.
Meditação:
A nossa
realidade é conflituosa. As comunidades cristãs se formam e vivem a fé em Jesus
Cristo em contextos de disputas e sofrimentos, vazios de certezas e de valores
que assegurem justiça, caminhos, esperanças, sonhos, objetivos e horizontes
novos. Os conteúdos da fé cristã, o evangelho e a vivência da fé em Jesus Cristo
transitam na contramão do fluxo principal e imponente da sociedade. Não é estranha a percepção de que as
comunidades fiéis ao evangelho enxugam gelo. Sua incidência humana, evangelizadora
e missionária encontra-se invisível e, numa leitura racional, sem efeito. Assim
como no tempo do chamado ao Timóteo, em nosso tempo, faz-se necessário perseverar na proclamação e na vivência da
fé em Jesus Cristo, para contrapor à crise.
A realidade exige constante
busca pelo discernimento entre o que ameaça e o que fortalece a comunidade na
vivência da fé e na sua missão. A
Bíblia, a palavra de Deus, está perdendo a sua autoridade. Seu conteúdo e sua
mensagem seguem diluídos em discursos, ritos e práticas religiosas não menos contraditórias
e conflituosas, que legitimam um modo de vida que nega o evangelho. Em outro viés comunicam verdades teológicas e
interpretações bíblicas que representam, ou estão a serviço, de segmentos e
movimentos cristãos, geralmente autoritários, fundamentalistas que incidem na
sociedade, legitimando disputas, exclusão e injustiças. O cenário é desolador.
A pessoa humana, a sua dignidade religiosa, seus direitos fundamentais estão cada
vez mais comprometidos. Nessa crise, em meio à pluralidade de interesses
religiosos, políticos, econômicos num palco hedonista, a palavra é manipulada e
transformada em instrumento para legitimar fábulas, conteúdos de autoajuda e
sistemas de desvirtuamento dos fins da estrutura social, com poder adulterador
de valores comunitários e individuais que estão na contramão da vontade de
Deus. Nesse contexto os fracos são incitados a elegerem inimigos entre si e a
abandonar o espelho, mesmo que turvo, para não verem a si mesmos, sua história,
seus valores e sentido e, consequentemente, os sistemas que os escravizam e
matam. Estes são traços da atual perigosa crise,
que reside também nas comunidades cristãs.
Nesse
contexto e situação em conflito, as comunidades cristãs são chamadas para se
fortalecer, caminhar na contramão, enxugar gelo e proclamar a boa nova do
evangelho, a sã doutrina de Jesus Cristo, admoestar, insistir, aconselhar. Inserir-se
na crise com coragem, humildade, sobriedade, paciência e didática.
Em outra
época, em realidade semelhante, no século VXI, a Reforma da Igreja Cristã, protagonizada
por Martin Lutero, deu testemunho histórico da busca pelo retorno da sã
doutrina de Jesus, a boa nova da graça de Deus. Martim Lutero afirmou: “...nossa
doutrina e conduta não se baseiam em nós mesmos, e o que fazemos não por causa
de nós, e sim, por causa de Cristo, o Senhor, de quem nos vêm todas as coisas e
por cuja vontade pregamos, vivemos e sofremos”. (Castelo Ano: 1983, Volume: 1) O movimento da reforma moveu-se em
direção ao retorno à palavra, a fé em Jesus Cristo e a cristologia. Necessitou
da reelaboração da teologia da cruz, da justificação, da escatologia, da
mediação e sacerdócio, também dos fundamentos da eclesiologia e a defesa da
hermenêutica, cuja chave passou a ser Jesus Cristo, o próprio Cristo de Deus. Para
Martim Lutero toda a Bíblia deve ser interpretada a partir de Jesus Cristo,
visando o próprio Cristo.
A
Comunidade cristã, chamada para dar testemunho do evangelho, está inserida na
realidade conflituosa, onde as multidões estão vazias de sentido e
descomprometidas com a dignidade humana e justiça. A Comunidade cristã acolhe
as pessoas que conhecem as escrituras e são fiéis com a fé em Jesus cristo e,
simultaneamente, as simpatizantes dos conteúdos que ajudam a viver e abstrair
vantagens no movimento expressivo e visível da sociedade em crise, onde as
escrituras sagradas são uteis desde que não exijam compromisso, vínculos,
comunhão, justiça e seguimento à ação salvadora de Deus em Jesus Cristo. Este é o contexto da pregação do evangelho, em
atendimento ao chamado expresso no texto de 2 Timóteo 4.14-4.5.
Imagens para a Prédica
Sugiro incluir na pregação a imagem de transitar na contra mão.
Chamar a atenção dos e das ouvintes que viver o evangelho coloca a comunidade
da contramão do fluxo maior da sociedade, da realidade e contexto. Pode-se
também usar a imagem do “secar gelo”, que corresponde ao insistir em pregar e
viver o evangelho e não ver mudanças, mesmo com a fé na ação livre do Espírito
Santo.
Sem a pretensão de dar uma aula sobre conhecimentos bíblicos,
também seria importante solicitar a um grupo ou pessoa da comunidade para
construir uma caixa em forma da Bíblia, semelhante a uma Bíblia. Mostrar aos
ouvintes uma “bíblia vazia” em comparação à Bíblia com os seus livros, que
contem a Palavra de Deus. Essa dinâmica ajuda na pregação, quando abordar a
questão da sã escritura que ilumina a verdade, interpretada a partir da
concepção de que Jesus Cristo é o centro da Palavra.
Considero de grande importância incluir na pregação a dimensão
individual do chamado ao Timóteo, nesse caso à liderança e, simultaneamente, a
dimensão comunitária da vivência da fé e pregação do evangelho. Apresentar a
comunidade como um corpo que move, ou a Igreja de Jesus Cristo, visível e
invisível, inserida na sociedade conflituosa.
Evitar uma pregação que não identifica o conteúdo do evangelho, da
ação salvífica de Deus em Jesus Cristo. O texto de 2 Timóteo 4.14-4.5 exige uma síntese dos valores, das
dádivas, da ação de amor de Deus presentes na realidade conflituosa, onde as
comunidades cristãs se movem na contramão.
Subsídios litúrgicos
A celebração precisa iniciar com um hino de exaltação ao amor de
Deus.
Ajudaria muito colocar próximo ao altar um grupo para puxar vários
panos em direção contrária, para simbolizar um conflito, uma disputa. E sem se
referir à cena fazer a saudação trinitária. A cena ajudará comunicar o Deus de
amor, que está presente na realidade em crise, conflituosa.
Incluir na confissão de pecados a tentação de viver e cultivar
valores e ideias, acríticos à realidade controlada por poderes e valores,
conteúdos, vozes e imagens que confundem e subvertem a verdade da salvação de
Deus. Pedir perdão pela falta de fidelidade e coragem para mover-se na
contramão do fluxo da sociedade violenta, vazia de valores da paz e da justiça.
No Kyrie rogar pelos fracos escravizados pela manipulação da
interpretação e pregação da palavra de Deus e dos conteúdos do evangelho. Rogar
pelas multidões que caminham sem rumo, vazias de esperança e fé no verdadeiro
evangelho de Jesus cristo.
Na oração do dia referir-se ao contexto da comunidade, à sua
fraqueza, à necessidade da proclamação do evangelho para movimentar-se e dar
testemunho do amor, presença e salvação de Deus.
Fazer as três leituras bíblicas. No momento das leituras
poder-se-ia avaliar a importância de colocar uma pessoa da Comunidade nas
mediações do altar, com aquela caixa em forma de bíblia nas mãos, encenando uma
leitura.
A bênção e o envio precisam contemplar o desafio de retornar para
casa e para o dia-a-dia fortalecido para viver a fé em Jesus Cristo, mesmo que
não será fácil manter-se fiel ao evangelho e dar testemunho da sua fé.
Bibliografia
MERKEL. H. Die Pastoralbriefe. Göttingen: Vandenhoek &
Ruprecht, 1991 (NTD 9\1).
BAYER. Oswald. A teologia de Martim Lutero. São Leopoldo: Editora
Sinodal, 2007
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