8 de dezembro de 2011

O Apóstolo Paulo e o Ecumenismo

Ecumenismo desafia os cristãos para viverem a fé na pluralidade, na diversidade, na provisoriedade,  unidos no Corpo de Cristo sob a graça do Deus da grande casa.

Podemos dizer que Paulo foi um apóstolo ecumênico?  Sua trajetória pessoal e de apóstolo indicam um perfil ecumênico? Claro que não podemos remeter essa expectativa e conceito para aquele tempo das primeiras comunidades. Mas as comunidades daquele tempo visitadas a partir desse desafio nos surpreendem.
Nasceu em Tarso. No primeiro século, a principal cidade da província da Cilícia na parte oriental da Ásia Menor. Tarso era uma cidade de fronteira, um lugar de encontro do Leste e do Oeste, e uma encruzilhada para o comércio que fluía em ambas as direções, por terra e por mar.
Foi também cidadão romano. E Judeu, “israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim” (Rm 11:1). Residiu por muitos anos em jerusalém. Um homem das muitas viagens e convivência com as grandes e pequenas cidades. Um homem que conheceu a pluralidade religiosa da cultura grega e do Império.
Foi blasfemo, perseguidor dos cristãos “. . . noutro tempo era blasfemo e perseguidor e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade” (1 Tm 1:13).
Paulo renasceu, foi convertido. Foi aoclhido por um apóstolo residente em Damasco, por nome Ananias, tornou-se amigo e conselheiro, um homem que não teve receio de crer que a conversão de Paulo’ fora autêntica. Mediante as orações de Ananias, Deus restaurou a vista a Paulo.
Sua teologia e sua missão sofreu resistência. Mesmo assim fez muito pela difusão da mensagem do Deus da graça, da cruz  e da ressurreição entre os gentios, E tornou-se o principal apóstolo.
- Paulo participou da revelação de Deus, através da histórica. E ele mesmo a interpretou como apóstolo e  testemunha.

Paulo desenvolveu a teologia da graça e da fé – a teologia da cruz, da lei e do evangelho, a teologia do batismo, do corpo de Cristo, da nova criatura de forma inclusiva. No Concílio, registrado em Atos 15, defendeu e a acolhida dos cristãos gentios, baseado na independência da cristologia, em detrimento as leis judaicas assumidas pelos cristãos judeus.
- Paulo apresentou a teologia da justificação pela fé que Lutero, considera o centro da cristologia. “Se esse artigo está de pé a Igreja está de pé; Se esse artigo cai a Igreja cai” (Lutero) Essa teologia de Paulo é fundamento para a compreensão da justificação e da salvação, através da Obra salvífica de Deus em Cristo. Essa que tornou-se a  base ecumênica para a Declaração Comum entre Luteranos e Católicos Romanos.
A fé, um dom que revela a graça e a ausência de vida na realidade e na condição humana. A fé relacional, que torna real o diálogo com o Deus da graça. O Ser que percebe a ausência de vida, pela fé dialoga com o Deus da graça e se transforma em participante da graça, em apto para participar da missão transformadora e reconciliadora de Deus. A fé uma obra divina que nos modifica e nos faz renascer de Deus. O Deus da graça!
 A minha graça te basta. A graça incondicional. Mesmo na cruz a graça é suficiente para estabelecer a comunhão com Deus , a experiência da Paz.
- A graça é de Deus. É incondicional! Ela dá vida a todos os seres humanos. (Rm.5.18). Não temos o poder de mediá-la. Somos chamados para proclamá-la e  dar testemunho das múltiplas dádivas que dela desdobram. O Deus presente é a graça. Também de denunciar quem a manipula, quem a usa em vão.
Graça e dignidade, dignidade e ecumenismo – vida sem absolutismos, vida relacional e autônoma em constante diálogo com Deus. O Deus pessoa em constante diálogo com a pessoa humana e com a criação. Proponho uma pausa para ancorar o que ouvimos num texto da carta de Paulo aos Romanos.
 
Situamos a carta aos Romanos
A carta foi escrita com muita probabilidade em Corinto. Quando Paulo a escreveu a comunidade na sua maioria era formada de cristãos não judeus. (Rm 1,5-6.13; 11,11-13; 15,16).
Era uma comunidade marcada por divisões (Rm 14-15). Foi a comunidade que mais sofreu com a perseguição, principalmente a de Nero.
Há indícios que os primeiros judeus chegaram em Roma em 139 a.C. Na época do Novo Testamento eram aproximadamente 50 mil judeus; possuíam mais de 10 sinagogas. Os judeus sofreram medidas restritivas por parte dos romanos e sua religião era chamada “superstitio bárbara” (uma superstição bárbara). No interior dessa comunidade judaica tem origem a comunidade cristã de Roma. Mais tarde, quando Nero revogou o edito de Cláudio, muitos cristãos-judeus voltaram a Roma. Mas encontraram uma comunidade cristã nova, emancipada dos laços com o judaísmo e muito numerosa. A convivência entre os dois grupos nem sempre foi pacífica.

Romanos 5.
Quem foi digno no Império Romano no tempo do Apóstolo Paulo? Sabemos que esse privilégio estava restrito a família real, aos senhores, reis, governadores e chefes do exército, a uma minoria de pessoas realizadas. A multidão de súditos vivia ameaçada em sua dignidade e com necessidades; grupos eram perseguidos e os estrangeiros  crucificados.

O Apóstolo Paulo anunciou uma mensagem nova, o evangelho do Cristo da Cruz e da graça. Propôs uma nova leitura da realidade.

Posicionou-se, dizendo que Jesus Cristo trouxe ao mundo a vida  nova:  todos os pecadores/as, os excluídos, pela graça de Deus, através da fé, podem alcançar justiça, salvação e liberdade.

Todos, também os súditos do Império podem nascer de novo, começar de novo, tais como aqueles e aquelas que abandonaram o Egito.

Está no mundo a graça de Deus que pode ser percebida e vivida pela fé. Crer na Obra de amor de Deus, revelada em Jesus Cristo na cruz e na ressurreição, permite a dignidade, a experiência com a  vitória de Cristo sobre a realidade de escravidão e de morte.

Conforme o filósofo Dussel a dignidade é descoberta a partir da negatividade. E juntamo-nos com o apóstolo Paulo para concluir que a graça e conhecida na cruz, é revelada na cruz.

A graça é a fonte de um processo de dignificação do ser humano, um movimento de comunidades e de organizações que pela comunhão concebem a violência, a desigualdade e a injustiça, os poderes e os limites humanos desencontrados e inauguram uma comunhão com Deus que permite participar do mutirão pela vida.

Romanos 5.1-5:
1. Agora que fomos aceitos por Deus pela nossa fé nele, temos paz com ele por meio do nosso Senhor Jesus Cristo.
2  Foi Cristo quem nos deu, por meio da nossa fé, esta vida na graça de Deus. E agora continuamos firmes nessa graça e nos alegramos na esperança de participar da glória de Deus.
3  E também nos alegramos nos sofrimentos, pois sabemos que os sofrimentos produzem a paciência,
4  a paciência traz a aprovação de Deus, e essa aprovação cria a esperança.
5  Essa esperança não nos deixa decepcionados, pois Deus derramou o seu amor no nosso coração, por meio do Espírito Santo, que ele nos deu.

     Este texto, é uma parte  especial da carta de Paulo, enviada à Comunidade cristã de Roma.  Uma espécie de posicionamento teológico, que preparou a comunidade para recebê-lo.  Apresentou a Cruz e a Ressurreição de Cristo como a OBRA da GRAÇA, do amor de Deus em favor de todas as pessoas - o Deus que veio resgatar a dignidade, que veio trazer a vida, para que todos e todas tenham vida Plena. O Deus que em Cristo veio anunciar e realizar a reconciliação - agora é possível ter paz com Deus, pois o pecado foi vencido.
Paulo apresenta para a comunidade de Roma um anúncio libertador que transfere ao ser humano dignidade, coragem e dons que impulsionam a participação no mutirão pela vida, da missão de Deus.
Compreendo  que a graça de Deus é um tesouro para o povo sofrido e empobrecido, para os doentes e angustiados, para os oprimidos pelas perdas e pela violência. A graça de Deus, experimentada pela fé, tem o poder de criar experiências de liberdade, de serviço sem interesse próprio; de criar esperança e perseverança; de incluir os seres frágeis e desorientados na Missão de Deus.
Nossas teorias, leituras da realidade apontam um momento histórico de muita desorientação (fechar os olhos e apontar para o NORTE. – abrir os olhos e perceber nossa desorientação).
Por causa da graça podemos crescer recebemos coragem para ver luz na escuridão, força na fraqueza, saídas. Não estamos mortos, apesar da cruz.
Está fortemente presente uma visão de mundo e de Deus  que conflitam com a graça, marcada pela dimensão do dualismo cristão. Algumas propostas de vitórias apontam para um Deus severo e de Juízo, que excomunga e castiga, em detrimento a um demônio que seduz e promove o  pecado. Os seres humanos são caídos, sem recuperação, e somente recuperáveis mediados por poderes terrestres dignos de interceder por ele. O ser humano não é autônomo, diretamente digno da ação salvífica de Jesus, da graça de Deus. Ele precisa de uma intermediação da própria dimensão humana para receber a graça. A a graça é também anunciada como um bem a ser adquirido. Só a prosperidade como meio possível para comprar a graça.
Nas novelas, acompanhadas por uma multidão, colabora com a visão de que o ser humano ou é bom ou é ruim. Os personagens ruins perdem no final e os personagens bons, mesmo sofrendo, ganham no final. O ser humano não tem chance, aqui no mundo ele não se recupera. Essa semente produz frutos de conflito, de absolutismos, pena de morte, condenação. Nesse ambiente o apóstolo Paulo não teria nenhuma chance.
 Convivemos com várias propostas que combina a hierarquia do sagrado com o veto ao acesso a graça de Deus nesse mundo.
Convivemos com outras mensagens humanistas que não incluem a graça, a ação salvífica de Deus, por exemplo, a de José Saramargo em Ensaio da Cegueira. Em meio aos caos, ao sofrimento, o ser humano pode descobrir o amor e salvar-se a si mesmo.
Essas mensagens são de um Deus que não dialoga com o ser humano, que não o recebe na sua realidade de cruz, que não permite sua participação na obra da reconciliação. Que não concede dignidade, esperança, perseverança e a experiência da paz.
A teologia de Paulo anuncia a mensagem da GRAÇA que liberta. Aquela que, pelo poder do Espírito, encanta as comunidades com a salvação e com a liberdade em participar na Missão de Deus, em construir dignidade em meio a realidade de cruz. A mensagem que inspirou Lutero a definir o cristão como justo e pecador simultaneamente – um ser humano com chance de nascer de novo diariamente, mas que conhece os seus limites, o seu pecado, a sua condição humana.

Na teologia de Paulo encontramos subsídios que apontam a dignidade a ser construída hoje pelo caminho do ecumenismo.

O ecumenismo é o espaço em que se manifesta a autonomia e a heteronomia em busca da teonomia. A cura para a luta entre a autonomia e a heteronomia é a teonomia da graça, vivida pela fé.
- A autonomia é a obediência do indivíduo a sua própria lei, ao seu entendimento racional próprio – do ser racional. (autos: self, próprio, si mesmo; nomos: lei). A autonomia resiste a influências, impressões e impulsos ainda não aceitos ou configurados pela razão. Pensamentos, conclusões e toda a estrutura da relacional com o mundo e com Deus, incluindo a cosmo visão, sem considerar a profundidade e o incontrolável é uma razão autônoma – ela trabalha nos limites dela mesma  – uma razão ontológica. A autonomia luta contra a heteronomia.
- A heteronomia impõe uma lei (nomos) estranha, alheia (heteros) para a razão – propõe tirar a autonomia da razão. Heteronomia emite para a razão ordens a partir de “fora”, do exterior ou da profundidade da razão. O que leva a um conflito dentro da própria razão. Por exemplo, um conflito entre adolescentes e pais é uma parábola desse conflito. O adolescente busca autonomia. e a influência dos valores dos pais propõem  a heteronomia.  A heteronomia apresenta uma autoridade que quer submeter a razão. A heteronomia nega a razão o direito de autonomia, ameaçando a identidade e a função de sujeito da razão. A heteronomia é o estágio das influências e dos poderes de fora, de consenso, incorporados ou não, que tornam absolutos e lutam contra a autonomia considerada vazia e sem razão.
Teonomia não aceita a imposição da heteronomia e nem o vazio, a relatividade da autonomia. Também não é uma imposição de uma lei divina superior. Deus (theós) e a lei (nomos) estão unidos à condição da autonomia e da heteronomia produzindo uma unidade dialogal que manifesta a teonomia. No estágio da unidade permanece a luta entre os três que leva a destruição da razão. É possível ler a história do diálogo das comunidades e Igrejas com Deus, também a elaboração da teologia, a partir desse método dialético.
O ecumenismo é o espaço em que se manifesta a autonomia e a heteronomia em busca da teonomia. A cura para a luta entre a autonomia e a heteronomia é a teonomia da graça, vivida pela fé. A biografia e a teologia de Paulo auxiliam, é a heteronomia que leva a teonomia, base do ecumenismo.

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