8 de dezembro de 2011

Ezequiel 34.11-16, 20-24


Neste domingo, denominado Cristo Rei, celebramos o encerramento do Ano Litúrgico. Destacamos o Deus presente no quotidiano, que acompanha e participa da história, que cria sinais do novo que há de vir. O Deus superior aos poderes da morte, que resgata, acolhe e orienta aos dispersos.
As palavras do profeta Ezequiel anunciam a soberania e a autoridade de Deus para um povo derrotado, disperso e desacreditado. Certamente o profeta estava entre os deportados para a Babilônia, pelo rei Nabucodonosor, no exílio de 598 a.C. Ezequiel aponta os erros praticados pelo povo que ouve a palavra, mas não a põe em prática, deturpa e suaviza o juízo, cultiva a ambição e são indiferentes diante das desigualdades. O profeta anuncia a soberania de Deus sem omitir a denuncia da corrupção e das injustiças.
Ainda hoje convivemos com a adulteração da mensagem bíblica, com leituras falsas da presença salvadora de Deus em nosso contexto. Ainda há povos dispersos e no exílio, sem forças para a resistência, dopados por mensagens que escondem os valores da dignidade humana, o juízo, e subvertem a presença salvadora de Deus.
Nos bairros das nossas cidades encontramos comunidades humanas em busca de trabalho, lazer, espaço, saúde, sentido e bênçãos para a vida, marcadas pela dispersão, privadas da sua história e da esperança. Vivem sob o impacto da pluralidade religiosa, revestida de ritos e discursos com base na Palavra de Deus, nem sempre fiéis, ou sob a graça do Deus que tem autoridade, presente na história, vencedor da morte e Criador do reino da vida plena, já sinalizado entre nós.
Da mesma forma, cada um de nós confronta-se diariamente com a mobilidade social e econômica, repleta de ofertas e mensagens, que nos tornam reféns de um messianismo histórico, despido da graça, da misericórdia de Deus e da esperança. Gera angústias, medos, dúvidas, violência e doenças. Mesmo quando a busca é por proteção, segurança e ajuda o que se encontra são falsas propostas e mensagens, que passam por ofertas de benefícios, curas e poderes sagrados, limitados aos recursos e á história humana.
O profeta Ezequiel no contexto de desgraça, desigualdade, injustiça e confusão reapresenta ao povo a soberania do Deus pastor: livrarei as ovelhas dispersas. Cuidarei delas para que tenham lugar, água, alimento, descanso e saúde (– Para Martim Lutero: “o pão nosso de cada dia”). O profeta resgata o Deus pastor que se importa com o seu povo, que se coloca ao seu lado e participa da sua história.
Ao mesmo tempo Ezequiel anuncia o Deus rei e juiz que se defronta com a desigualdade e a injustiça. O Deus que no contexto de violência, opressão e morte, na realidade em que convivem “ovelhas gordas” e “ovelhas magras” cultiva a justiça. O profeta anuncia o Deus Príncipe, promotor da paz, gerador da igualdade, o mesmo que cuida, acolhe, alimenta e salva.
Em nosso tempo somos chamados para ouvir e, pela fé, praticar a mensagem bíblica de Ezequiel. Essa palavra profética não nos é estranha. Conhecemos a obra salvadora do Deus Pastor e Príncipe da Paz, que em Jesus Cristo instaurou no mundo o reino soberano do amor, da graça, da paz e da justiça. O Cristo que agora nos convida: “Vinde, entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.” (Mt 25.34)

Organizados em comunidades somos Igreja de Jesus Cristo, chamados para anunciar o Deus pastor, Príncipe da justiça e da paz. Em comunhão uns com os outros e com Ele, por graça e fé, podemos participar e interagir com os sinais do seu reino, instalados na nossa realidade, onde nos movimentamos para viver e sobreviver, em meio aos desafios, dores e sonhos, famintos de sentido para a vida, sedentos de dialogo, de justiça e de paz.
Vivemos num tempo em que o limite do ser humano foi relativizado. Todos os tipos de exageros, sacrifícios e injustiças estão absolvidos para justificar a sustentabilidade humana. Os poderes, os bens materiais e simbólicos, a mobilidade social e econômica respondem a todas as necessidades humanas. É louca e ultrapassada a esperança na ação de Deus e a confiança na sua promessa de um novo tempo com plenitude. O sagrado é transferido para a dimensão humana e natural. A cruz e o sacrifício são articulados e oferecidos somente como meios, “necessários” para alcançar os objetivos da sustentabilidade histórica e humana.
Damos graças a Deus pela voz do profeta Ezequiel, uma preciosa mensagem que denuncia a idolatria. Ela resgata a soberania do Deus pastor, doador da vida ao mundo. O Deus soberano, presente na história humana, que acolhe o perdedor, apresenta juízo aos que justificam a lógica histórica da sustentabilidade humana, que justificam a exclusão, sistemas de pensamentos e poderes que dão falso sentido ao sacrifício e relativizam o pecado e a injustiça.
O nosso desafio, o desafio da missão é testemunhar, tal como o profeta Ezequiel, o nosso Deus Pastor e Príncipe da paz, presente na realidade de sofrimento, sedutora, messiânica e injusta.
Somos convidados para construir comunidades de fé, onde a mensagem do Deus Pastor e Rei possa ser compartilhada e vivida. Espaços acolhedores em que o Cristo de Deus, pastor, juiz e príncipe da paz, ressuscitado da morte, presente na realidade, revela o seu rosto e convida para a comunhão. Convida para participar da sua ação salvadora no mundo e, por graça e fé, interagir com os sinais do seu reino.
Para ilustrar melhor o nosso desafio lembro a histórica fatídica da rã. Um pequeno fogo é aceso embaixo da panela, uma rã está sossegada na água, que se esquenta muito lentamente. Pouco a pouco, a água fica morna, e a rã, achando isso bastante agradável, continua a nadar. A temperatura da água continua subindo. Agora, a água está quente mais do que a rã pode apreciar; ela se sente um pouco cansada, mas não se amedronta. Agora, a água está realmente quente, e a rã começa a achar desagradável, mas está muito debilitada; então, suporta e não faz nada. A temperatura continua a subir, até quando a rã acaba simplesmente cozida e morta.
Certamente se a mesma rã tivesse sido lançada diretamente na água a 50 graus, com um golpe de pernas ela teria pulado imediatamente para fora da panela. Isto mostra que, quando uma mudança acontece de um modo lento, quase invisível, escapa à consciência e não desperta nenhuma reação ou revolta.
O profeta Ezequiel viveu num contexto em que a água é aquecida lentamente. Mas, com o golpe da sua voz profética, revelada por Deus, pulou fora da panela da morte e conclamou o povo para escapar dessa sedutora armadilha.
O nosso contexto é perigoso. E a água está quente. Crianças, jovens e adultos já estão quase cozidos por propostas e poderes humanos, revestidos de sagrados. A idolatria está instalada. A luz de Deus, Pastor e Príncipe da paz, está abafada. 
Somos convidados para participar da missão, interagir com os sinais do reino de Deus, atender aos atos e gestos do Príncipe da paz, construir na realidade de sofrimento, perigosa e injusta, espaços de comunhão, onde se vive o penhor da salvação plena e eterna. Amém.

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