Neste domingo, denominado Cristo
Rei, celebramos o encerramento do Ano Litúrgico. Destacamos o Deus presente no
quotidiano, que acompanha e participa da história, que cria sinais do novo que
há de vir. O Deus superior aos poderes da morte, que resgata, acolhe e orienta aos
dispersos.
As palavras do profeta Ezequiel
anunciam a soberania e a autoridade de Deus para um povo derrotado, disperso e
desacreditado. Certamente o profeta estava entre os deportados para a Babilônia,
pelo rei Nabucodonosor, no exílio de 598 a.C. Ezequiel aponta os erros
praticados pelo povo que ouve a palavra, mas não a põe em prática, deturpa e
suaviza o juízo, cultiva a ambição e são indiferentes diante das desigualdades.
O profeta anuncia a soberania de Deus sem omitir a denuncia da corrupção e das
injustiças.
Ainda hoje convivemos com a
adulteração da mensagem bíblica, com leituras falsas da presença salvadora de
Deus em nosso contexto. Ainda há povos dispersos e no exílio, sem forças para a
resistência, dopados por mensagens que escondem os valores da dignidade humana,
o juízo, e subvertem a presença salvadora de Deus.
Nos bairros das nossas cidades
encontramos comunidades humanas em busca de trabalho, lazer, espaço, saúde,
sentido e bênçãos para a vida, marcadas pela dispersão, privadas da sua
história e da esperança. Vivem sob o impacto da pluralidade religiosa,
revestida de ritos e discursos com base na Palavra de Deus, nem sempre fiéis,
ou sob a graça do Deus que tem autoridade, presente na história, vencedor da
morte e Criador do reino da vida plena, já sinalizado entre nós.
Da mesma forma, cada um de nós
confronta-se diariamente com a mobilidade social e econômica, repleta de ofertas
e mensagens, que nos tornam reféns de um messianismo histórico, despido da
graça, da misericórdia de Deus e da esperança. Gera angústias, medos, dúvidas,
violência e doenças. Mesmo quando a busca é por proteção, segurança e ajuda o
que se encontra são falsas propostas e mensagens, que passam por ofertas de benefícios,
curas e poderes sagrados, limitados aos recursos e á história humana.
O profeta Ezequiel no contexto de
desgraça, desigualdade, injustiça e confusão reapresenta ao povo a soberania do
Deus pastor: livrarei as ovelhas dispersas. Cuidarei delas para que tenham lugar,
água, alimento, descanso e saúde (– Para Martim Lutero: “o pão nosso de cada
dia”). O profeta resgata o Deus pastor que se importa com o seu povo, que se
coloca ao seu lado e participa da sua história.
Ao mesmo tempo Ezequiel anuncia o
Deus rei e juiz que se defronta com a desigualdade e a injustiça. O Deus que no
contexto de violência, opressão e morte, na realidade em que convivem “ovelhas
gordas” e “ovelhas magras” cultiva a justiça. O profeta anuncia o Deus
Príncipe, promotor da paz, gerador da igualdade, o mesmo que cuida, acolhe,
alimenta e salva.
Em nosso
tempo somos chamados para ouvir e, pela fé, praticar a mensagem bíblica de
Ezequiel. Essa palavra profética não nos é estranha. Conhecemos a obra
salvadora do Deus Pastor e Príncipe da Paz, que em Jesus Cristo instaurou no
mundo o reino soberano do amor, da graça, da paz e da justiça. O Cristo que
agora nos convida: “Vinde, entrai na posse do reino que vos está preparado
desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e
me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me
vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.” (Mt 25.34)
Organizados
em comunidades somos Igreja de Jesus Cristo, chamados para anunciar o Deus
pastor, Príncipe da justiça e da paz. Em comunhão uns com os outros e com Ele,
por graça e fé, podemos participar e interagir com os sinais do seu reino,
instalados na nossa realidade, onde nos movimentamos para viver e sobreviver, em
meio aos desafios, dores e sonhos, famintos de sentido para a vida, sedentos de
dialogo, de justiça e de paz.
Vivemos num tempo em que o limite
do ser humano foi relativizado. Todos os tipos de exageros, sacrifícios e
injustiças estão absolvidos para justificar a sustentabilidade humana. Os
poderes, os bens materiais e simbólicos, a mobilidade social e econômica
respondem a todas as necessidades humanas. É louca e ultrapassada a esperança
na ação de Deus e a confiança na sua promessa de um novo tempo com plenitude. O
sagrado é transferido para a dimensão humana e natural. A cruz e o sacrifício
são articulados e oferecidos somente como meios, “necessários” para alcançar os
objetivos da sustentabilidade histórica e humana.
Damos graças a Deus pela voz do
profeta Ezequiel, uma preciosa mensagem que denuncia a idolatria. Ela resgata a
soberania do Deus pastor, doador da vida ao mundo. O Deus soberano, presente na
história humana, que acolhe o perdedor, apresenta juízo aos que justificam a
lógica histórica da sustentabilidade humana, que justificam a exclusão,
sistemas de pensamentos e poderes que dão falso sentido ao sacrifício e
relativizam o pecado e a injustiça.
O nosso
desafio, o desafio da missão é testemunhar, tal como o profeta Ezequiel, o
nosso Deus Pastor e Príncipe da paz, presente na realidade de sofrimento,
sedutora, messiânica e injusta.
Somos
convidados para construir comunidades de fé, onde a mensagem do Deus Pastor e
Rei possa ser compartilhada e vivida. Espaços acolhedores em que o Cristo de
Deus, pastor, juiz e príncipe da paz, ressuscitado da morte, presente na
realidade, revela o seu rosto e convida para a comunhão. Convida para
participar da sua ação salvadora no mundo e, por graça e fé, interagir com os
sinais do seu reino.
Para ilustrar
melhor o nosso desafio lembro a histórica fatídica da rã. Um pequeno fogo é
aceso embaixo da panela, uma rã está sossegada na água, que se esquenta muito
lentamente. Pouco a pouco, a água
fica morna, e a rã, achando isso bastante agradável, continua a nadar. A
temperatura da água continua subindo. Agora,
a água está quente mais do que a rã pode apreciar; ela se sente um pouco
cansada, mas não se amedronta. Agora, a água está realmente quente, e a rã
começa a achar desagradável, mas está muito debilitada; então, suporta e não
faz nada. A temperatura continua a
subir, até quando a rã acaba simplesmente cozida e morta.
Certamente se
a mesma rã tivesse sido lançada diretamente na água a 50 graus, com um golpe de
pernas ela teria pulado imediatamente para fora da panela. Isto mostra que, quando uma mudança
acontece de um modo lento, quase invisível, escapa à consciência e não desperta
nenhuma reação ou revolta.
O profeta Ezequiel viveu num contexto em
que a água é aquecida lentamente. Mas, com o golpe da sua voz profética,
revelada por Deus, pulou fora da panela da morte e conclamou o povo para
escapar dessa sedutora armadilha.
O nosso
contexto é perigoso. E a água está quente. Crianças, jovens e adultos já estão
quase cozidos por propostas e poderes humanos, revestidos de sagrados. A
idolatria está instalada. A luz de Deus, Pastor e Príncipe da paz, está
abafada.
Somos
convidados para participar da missão, interagir com os sinais do reino de Deus,
atender aos atos e gestos do Príncipe da paz, construir na realidade de
sofrimento, perigosa e injusta, espaços de comunhão, onde se vive o penhor da
salvação plena e eterna. Amém.
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