8 de outubro de 2012


João 6.56-69 - Estudo / Exegese


“Ao dar-nos sua vida, Deus não apenas se sacrifica por nós, se faz vulnerável à nossa sorte e à nossa história, mas antes nos dá de verdade sua vida divina” (Juan Luiz Segundo)

Introdução:
Vivemos num tempo em que as pessoas têm acesso a várias propostas de salvação. Geralmente a escolha de uma delas restringe-se a uma tentativa, ao provisório. Perdeu-se o controle social, moral, que fomenta opção por uma identidade permanente. Dissolveu-se a necessidade de clareza religiosa.
Esse estudo propõe o tema da confissão de fé. João apresenta Jesus, o pão que desceu do céu, o Santo de Deus, como o alimento para a vida plena. Trata-se de um tema atualíssimo. A pluralidade religiosa e a tendência de encontrar o que há de vir no presente induzem a relativização da opção e da definição histórica do sagrado. A confissão de fé permanece como um desafio. Muitos preferem a generalização e resistem ao convite para fazer a opção e declarar a sua fidelidade ao Deus que tirou o povo da escravidão e que, em Jesus, tornou-se alimento, o Filho do Homem, o Santo de Deus.


Exegese:
O texto de João 6.56-69 compõe o bloco que relata a atuação pública de Jesus na Galileia. A partir do capítulo 5 João relata conflitos de Jesus com as lideranças do Templo, devido à visível rejeição deles ao Filho de Deus. Jesus insiste em defender a unidade entre ele, o filho, e o Pai. Alerta que a negação do Filho é a rejeição ao Deus Pai. Assim como o Pai, também o Filho é a fonte da vida. Os relatos das ações de Jesus dão testemunho da sua unidade com o Pai. No início do capítulo 6 Jesus alimenta a multidão, multiplica e distribui o pão. Essa ação maravilhosa antecede o seu discurso sobre o pão da vida, que veio do Pai. Ele se apresenta como alimento singular, comida e bebida verdadeira que dão a vida eterna. A proposta de Jesus se apresenta como dura, de difícil aceitação.
Vv.56-57: A comunhão plena com Jesus, através da sua carne e do seu sangue apresenta-se como uma proposta nova. Qual seja Em Jesus está a vida. Propõe viver por meio dele, em permanente comunhão com o mediador da vida plena. João se refere à Ceia do Senhor. Mas, essas palavras, ao mesmo tempo, estão relacionamos ao discurso sobre o pão. Referem-se ao agir salvífico de Deus em Jesus, que se torna realidade através do seguimento e da fé.
V. 58: Apresenta Jesus como o Pão que veio de fora, do céu, da parte do Pai. Alimento que transcende os limites da vida no mundo, que sustenta a salvação para sempre.
V. 59: João situa o discurso de Jesus, define o contexto, uma das suas características. Nesse caso Jesus estava na sinagoga de Cafarnaum, ensinando e dialogando com os judeus.
V. 60: O discurso de Jesus é estranho, difícil de aceitar. O público rejeita a revelação de Deus na pessoa de Jesus. Aqui pressupomos que a proposta da centralidade da salvação em Jesus conflita com os conteúdos e rituais até então fundamentados somente nos testemunhos sobre as obras salvíficas do Deus Pai, através de Moisés, dos pais da fé e dos profetas. É dura a opção por Jesus como a revelação plena do Deus Pai. Como crer que Jesus veio do Pai e depois a ele retornou?
V. 61: Para João, Jesus tem consciência da rejeição. Há uma crise, dúvidas sobre a sua natureza divina transparecem. O discurso de Jesus é proclamado num ambiente em que não há consenso sobre a ação salvadora de Deus, encarnada através de Jesus. Para muitos a proposta é escandalosa.
V. 62: O diálogo é tenso. Jesus acirra a crise ao mencionar: Se é difícil aceitar a minha procedência da parte do Pai, pior será testemunhar a volta do Filho do Homem para onde veio. Está exposta a dúvida sobre a comunhão do Filho, Jesus, com o Pai. Se os seguidores não reconhecem a presença salvadora de Deus em Jesus está interrompida a comunhão com Deus e a participação na nova aliança.
V. 63: Onde está a verdade? As afirmações de Jesus tem sentido? “As palavras que tenho dito são espírito e vida”.
Vv. 64-65: Mesmo com a referência do Espírito da verdade, a incredulidade permanece. Jesus demonstra conhecer a situação e quem pode traí-lo. Observo que a incredulidade na dimensão divina de Jesus como mediador proporcionou consequências graves e violentas na dimensão histórica e real. A negação ou a opção com a confissão implica em consequências.
V. 66: O resultado é o rompimento. A mensagem de Jesus é rejeitada. Muitos voltam às costas para ele.
V. 67: Aos que permaneceram ao seu lado, Jesus lança um desafio que desperta clareza e exige opção, certamente uma confissão de fé: Vocês também querem partir?
V. 68: Pedro responde em nome do grupo de seguidores que optaram em continuar no seguimento a Jesus: Não temos outra opção, a quem vamos seguir? Para os discípulos a questão era de vida ou de morte. Os fiéis seguidores optaram pela mensagem de Jesus. Eles aceitaram Jesus, o Filho do Homem que veio da parte do Pai, como alimento que dá a vida eterna.
V. 69: Finalmente a confissão de fé: Tu és o santo de Deus! Os discípulos aceitam e compreendem a dimensão divina, salvadora e sacerdotal de Jesus. Fica claro o paralelo com a confissão de Pedro, conforme Mateus 16.16, onde encontramos a definição de Jesus como o Cristo de Deus. O título “Santo de Deus” é mencionado por Marcos em 1.24 e por Lucas 1.35.
O evangelho conforme João anuncia Jesus como Filho enviado ao mundo pelo Pai, a presença perfeita de Deus no mundo. Nele está a salvação, a fonte e o alimento da vida, dádiva da vida eterna, pão do céu.
João escreveu para que todos creiam que Jesus é o santo, o Filho de Deus, a fonte da vida plena (20.31). Apresenta a comunhão plena com Deus, a salvação, que passa pela opção e confissão de que Jesus é o Filho do Pai presente no mundo, o alimento e a vida eterna.
Nosso texto, 6.56-69 integra a mensagem central de João. Além de dizer onde está a salvação, não omite o conflito, a dificuldade, a dureza da proposta. Cria um diálogo em que o seguimento a Jesus desafia exige clareza, coragem e a confissão de fé.

Meditação:
Vivemos num tempo em que as pessoas têm acesso a várias propostas de salvação. Geralmente a escolha de uma delas restringe-se a uma tentativa, ao provisório. Perdeu-se o controle social, moral, que fomenta opção por uma identidade permanente. Dissolveu-se a necessidade de clareza religiosa. No âmbito cristão esvaziam-se as comunidades com heranças carregadas de história, ritos e símbolos, que pressupõem identidade e definição da salvação e do Deus salvador. A procura dessas comunidades por uma maior mobilidade abre espaço para a relativização, acompanhada por murmúrios e conflitos. A pluralidade religiosa gera dúvidas, descarta a confissão de fé.
É comum que as pessoas escolhem valores e objetos para darem sentido as suas vidas e criarem experiências de salvação. A atual mobilidade social, econômica e religiosa oferece ilimitados bens matérias e símbolos para suprir todas as necessidades humanas – um messianismo ilimitado. Esse fenômeno instala o provisório, a negação do passado e do futuro, o endeusamento do presente. Não há mais nada para esperar do céu. As esperanças estão contextualizadas e são oferecidas na realidade humana, onde o sagrado recebe a dimensão material e natural. O anúncio de que o verdadeiro alimento procede de fora, da parte do Pai é duro e conflituoso.
Esse é o berço de uma intensa pluralidade religiosa que interage, sem prejuízo, com a messiânica mobilidade social, cultural e econômica.
A mensagem de João 6.56-69 não nos permite fugir do desafio de anunciar o santo de Deus nesse contexto.  A proposta de Jesus é dura e de difícil aceitação. O seguimento a Jesus, em comunhão plena com Deus, conflita com a tentação de moldar-se a propostas em que a salvação se restringe aos limites da realidade humana e o sagrado se confunde com objetos materiais e símbolos de consumo.
A opção pelo seguimento a Jesus e a confissão de fé permanecem como desafio. E contrasta com a situação descrita, que aponta um diagnóstico em que a preferência é o provisório, ou seja, não fechar as portas e janelas para as diferentes possibilidades de salvação. E essa se restringe a um limitado sentido para a vida e atendimento a necessidades pessoais e a sedutoras fantasias para garantir um nível de felicidade.
A mensagem de João foi conflituosa em seu tempo e contexto, e permanece polêmica para os nossos dias. O texto indicado para o 13º Domingo após Pentecostes atinge o miolo da busca humana por salvação, ou seja, por liberdade, esperança viva, sustentabilidade à dignidade, participação na missão de Deus em doar a vida ao mundo.
O seguimento a Jesus e a confissão de que ele é o santo de Deus exigem opção, o envolvimento numa proposta contextualizada, comunitária de vida e de fé que garante duas imprescindíveis dimensões. Primeiro a participação na construção e vivência da comunhão uns com os outros e com Deus, deixando-se apaixonar pela vocação de proclamar o evangelho - a mensagem do amor incondicional de Deus, de servir com alegria e gratidão. Essa dimensão denuncia a indiferença, a relativização dos princípios e valores do evangelho, o foco das pessoas em interesses egoístas e excludentes. A segunda dimensão está firmada na confissão de fé, que legitima as promessas do Deus que veio ao mundo para doar a verdadeira vida divina. A fé no Deus, que em Jesus, o filho, o santo, é alimento, caminho, cuidado, luz na escuridão, verdade e vida eterna. Inclui também a visão escatológica, qual seja a plenitude que ainda virá conforme a vontade e a ação de Deus, o Pai.
Por fim aponto, ainda, outro lado da mesma questão. A proposta de João e o anúncio que apresenta Jesus como o santo de Deus, através do qual se encontra a salvação, em nossa realidade ganha uma característica preciosa, oferta libertadora. Muitas pessoas já duvidam da sua capacidade de serem sujeitas da própria salvação. Outras milhares sentem-se excluídas desse processo, estão doentes, envelhecidas, preferem a simplicidade, uma dinâmica de vida mais substancial, incorporada com a dimensão sagrada que escapa da sua tutela e controle. Portanto, o nosso texto tem espaço em meio à pluralidade e a mobilidade social. Podemos desafiar pessoas para optarem pelo seguimento a Jesus, que trouxe ao mundo a vida em sua plenitude. Apresentar às pessoas uma opção que inclui a confissão de fé e o seguimento, que passa pela vivência do amor, de unidade, comunhão, doação, partilha, gratidão, compromisso, movimento e envolvimento.
 (Guilherme Lieven)

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