João 6.56-69 - Estudo / Exegese
“Ao dar-nos sua vida, Deus não apenas se
sacrifica por nós, se faz vulnerável à nossa sorte e à nossa história, mas
antes nos dá de verdade sua vida divina” (Juan Luiz Segundo)
Introdução:
Vivemos num tempo em que as pessoas têm acesso a várias propostas de salvação. Geralmente a escolha de uma delas restringe-se a uma tentativa, ao provisório. Perdeu-se o controle social, moral, que fomenta opção por uma identidade permanente. Dissolveu-se a necessidade de clareza religiosa.
Esse estudo propõe o
tema da confissão de fé. João apresenta Jesus, o pão que desceu do céu, o Santo
de Deus, como o alimento para a vida plena. Trata-se de um tema atualíssimo. A pluralidade
religiosa e a tendência de encontrar o que há de vir no presente induzem a
relativização da opção e da definição histórica do sagrado. A confissão de fé
permanece como um desafio. Muitos preferem a generalização e resistem ao convite
para fazer a opção e declarar a sua fidelidade ao Deus que tirou o povo da escravidão
e que, em Jesus, tornou-se alimento, o Filho do Homem, o Santo de Deus.
Exegese:
O texto de João 6.56-69 compõe o
bloco que relata a atuação pública de Jesus na Galileia. A partir do capítulo 5
João relata conflitos de Jesus com as lideranças do Templo, devido à visível rejeição
deles ao Filho de Deus. Jesus insiste em defender a unidade entre ele, o filho,
e o Pai. Alerta que a negação do Filho é a rejeição ao Deus Pai. Assim como o
Pai, também o Filho é a fonte da vida. Os relatos das ações de Jesus dão
testemunho da sua unidade com o Pai. No início do capítulo 6 Jesus alimenta a
multidão, multiplica e distribui o pão. Essa ação maravilhosa antecede o seu
discurso sobre o pão da vida, que veio do Pai. Ele se apresenta como alimento
singular, comida e bebida verdadeira que dão a vida eterna. A proposta de Jesus
se apresenta como dura, de difícil aceitação.
Vv.56-57: A comunhão plena com
Jesus, através da sua carne e do seu sangue apresenta-se como uma proposta
nova. Qual seja Em Jesus está a vida. Propõe viver por meio dele, em permanente
comunhão com o mediador da vida plena. João se refere à Ceia do Senhor. Mas,
essas palavras, ao mesmo tempo, estão relacionamos ao discurso sobre o pão.
Referem-se ao agir salvífico de Deus em Jesus, que se torna realidade através
do seguimento e da fé.
V. 58: Apresenta Jesus como o Pão
que veio de fora, do céu, da parte do Pai. Alimento que transcende os limites
da vida no mundo, que sustenta a salvação para sempre.
V. 59: João situa o discurso de
Jesus, define o contexto, uma das suas características. Nesse caso Jesus estava
na sinagoga de Cafarnaum, ensinando e dialogando com os judeus.
V. 60: O discurso de Jesus é
estranho, difícil de aceitar. O público rejeita a revelação de Deus na pessoa
de Jesus. Aqui pressupomos que a proposta da centralidade da salvação em Jesus
conflita com os conteúdos e rituais até então fundamentados somente nos
testemunhos sobre as obras salvíficas do Deus Pai, através de Moisés, dos pais
da fé e dos profetas. É dura a opção por Jesus como a revelação plena do Deus
Pai. Como crer que Jesus veio do Pai e depois a ele retornou?
V. 61: Para João, Jesus tem
consciência da rejeição. Há uma crise, dúvidas sobre a sua natureza divina
transparecem. O discurso de Jesus é proclamado num ambiente em que não há
consenso sobre a ação salvadora de Deus, encarnada através de Jesus. Para
muitos a proposta é escandalosa.
V. 62: O diálogo é tenso. Jesus acirra
a crise ao mencionar: Se é difícil aceitar a minha procedência da parte do Pai,
pior será testemunhar a volta do Filho do Homem para onde veio. Está exposta a
dúvida sobre a comunhão do Filho, Jesus, com o Pai. Se os seguidores não
reconhecem a presença salvadora de Deus em Jesus está interrompida a comunhão
com Deus e a participação na nova aliança.
V. 63: Onde está a verdade? As
afirmações de Jesus tem sentido? “As palavras que tenho dito são espírito e
vida”.
Vv. 64-65: Mesmo com a referência
do Espírito da verdade, a incredulidade permanece. Jesus demonstra conhecer a
situação e quem pode traí-lo. Observo que a incredulidade na dimensão divina de
Jesus como mediador proporcionou consequências graves e violentas na dimensão
histórica e real. A negação ou a opção com a confissão implica em
consequências.
V. 66: O resultado é o
rompimento. A mensagem de Jesus é rejeitada. Muitos voltam às costas para ele.
V. 67: Aos que permaneceram ao
seu lado, Jesus lança um desafio que desperta clareza e exige opção, certamente
uma confissão de fé: Vocês também querem partir?
V. 68: Pedro responde em nome do
grupo de seguidores que optaram em continuar no seguimento a Jesus: Não temos
outra opção, a quem vamos seguir? Para os discípulos a questão era de vida ou de
morte. Os fiéis seguidores optaram pela mensagem de Jesus. Eles aceitaram
Jesus, o Filho do Homem que veio da parte do Pai, como alimento que dá a vida
eterna.
V. 69: Finalmente a confissão de
fé: Tu és o santo de Deus! Os discípulos aceitam e compreendem a dimensão
divina, salvadora e sacerdotal de Jesus. Fica claro o paralelo com a confissão
de Pedro, conforme Mateus 16.16, onde encontramos a definição de Jesus como o
Cristo de Deus. O título “Santo de Deus” é mencionado por Marcos em 1.24 e por
Lucas 1.35.
O evangelho conforme João anuncia
Jesus como Filho enviado ao mundo pelo Pai, a presença perfeita de Deus no
mundo. Nele está a salvação, a fonte e o alimento da vida, dádiva da vida
eterna, pão do céu.
João escreveu para que todos
creiam que Jesus é o santo, o Filho de Deus, a fonte da vida plena (20.31).
Apresenta a comunhão plena com Deus, a salvação, que passa pela opção e
confissão de que Jesus é o Filho do Pai presente no mundo, o alimento e a vida
eterna.
Nosso texto, 6.56-69 integra a
mensagem central de João. Além de dizer onde está a salvação, não omite o
conflito, a dificuldade, a dureza da proposta. Cria um diálogo em que o
seguimento a Jesus desafia exige clareza, coragem e a confissão de fé.
Meditação:
Vivemos num tempo em que as
pessoas têm acesso a várias propostas de salvação. Geralmente a escolha de uma
delas restringe-se a uma tentativa, ao provisório. Perdeu-se o controle social,
moral, que fomenta opção por uma identidade permanente. Dissolveu-se a
necessidade de clareza religiosa. No âmbito cristão esvaziam-se as comunidades
com heranças carregadas de história, ritos e símbolos, que pressupõem
identidade e definição da salvação e do Deus salvador. A procura dessas
comunidades por uma maior mobilidade abre espaço para a relativização,
acompanhada por murmúrios e conflitos. A pluralidade religiosa gera dúvidas,
descarta a confissão de fé.
É comum que
as pessoas escolhem valores e objetos para darem sentido as suas vidas e
criarem experiências de salvação. A atual mobilidade social, econômica e
religiosa oferece ilimitados bens matérias e símbolos para suprir todas as
necessidades humanas – um messianismo ilimitado. Esse fenômeno instala o
provisório, a negação do passado e do futuro, o endeusamento do presente. Não
há mais nada para esperar do céu. As esperanças estão contextualizadas e são
oferecidas na realidade humana, onde o sagrado recebe a dimensão material e natural.
O anúncio de que o verdadeiro alimento procede de fora, da parte do Pai é duro
e conflituoso.
Esse é o
berço de uma intensa pluralidade religiosa que interage, sem prejuízo, com a
messiânica mobilidade social, cultural e econômica.
A mensagem de
João 6.56-69 não nos permite fugir do desafio de anunciar o santo de Deus nesse
contexto. A proposta de Jesus é dura e
de difícil aceitação. O seguimento a Jesus, em comunhão plena com Deus,
conflita com a tentação de moldar-se a propostas em que a salvação se restringe
aos limites da realidade humana e o sagrado se confunde com objetos materiais e
símbolos de consumo.
A opção pelo seguimento a Jesus e
a confissão de fé permanecem como desafio. E contrasta com a situação descrita,
que aponta um diagnóstico em que a preferência é o provisório, ou seja, não
fechar as portas e janelas para as diferentes possibilidades de salvação. E
essa se restringe a um limitado sentido para a vida e atendimento a
necessidades pessoais e a sedutoras fantasias para garantir um nível de
felicidade.
A mensagem de João foi
conflituosa em seu tempo e contexto, e permanece polêmica para os nossos dias.
O texto indicado para o 13º Domingo após Pentecostes atinge o miolo da busca humana
por salvação, ou seja, por liberdade, esperança viva, sustentabilidade à
dignidade, participação na missão de Deus em doar a vida ao mundo.
O seguimento
a Jesus e a confissão de que ele é o santo de Deus exigem opção, o envolvimento
numa proposta contextualizada, comunitária de vida e de fé que garante duas
imprescindíveis dimensões. Primeiro a participação na construção e vivência da
comunhão uns com os outros e com Deus, deixando-se apaixonar pela vocação de
proclamar o evangelho - a mensagem do amor incondicional de Deus, de servir com
alegria e gratidão. Essa dimensão denuncia a indiferença, a relativização dos
princípios e valores do evangelho, o foco das pessoas em interesses egoístas e
excludentes. A segunda dimensão está firmada na confissão de fé, que legitima
as promessas do Deus que veio ao mundo para doar a verdadeira vida divina. A fé
no Deus, que em Jesus, o filho, o santo, é alimento, caminho, cuidado, luz na
escuridão, verdade e vida eterna. Inclui também a visão escatológica, qual seja
a plenitude que ainda virá conforme a vontade e a ação de Deus, o Pai.
Por fim aponto,
ainda, outro lado da mesma questão. A proposta de João e o anúncio que
apresenta Jesus como o santo de Deus, através do qual se encontra a salvação,
em nossa realidade ganha uma característica preciosa, oferta libertadora.
Muitas pessoas já duvidam da sua capacidade de serem sujeitas da própria
salvação. Outras milhares sentem-se excluídas desse processo, estão doentes,
envelhecidas, preferem a simplicidade, uma dinâmica de vida mais substancial,
incorporada com a dimensão sagrada que escapa da sua tutela e controle.
Portanto, o nosso texto tem espaço em meio à pluralidade e a mobilidade social.
Podemos desafiar pessoas para optarem pelo seguimento a Jesus, que trouxe ao
mundo a vida em sua plenitude. Apresentar às pessoas uma opção que inclui a confissão
de fé e o seguimento, que passa pela vivência do amor, de unidade, comunhão,
doação, partilha, gratidão, compromisso, movimento e envolvimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário