28 de julho de 2017

Doar com generosidade

“Ao que muito pegou, nada sobrou; ao que pegou pouco, nada faltou!” (Êx.16.18)

A partilha generosa de bens e de cuidados, exercida com amor, é missionária. Ela comunica Deus, comunica misericórdia, expressa amor. A solidariedade cristã é profundamente espiritual. Sempre surpreendente é mensageira de novidade de vida. Ela é missionária.
Para o apóstolo Paulo a doação de bens e de dinheiro aos necessitados é uma ação espiritual, uma revelação da graça de Deus (2 Co 8.1). Ele envolveu-se em duas grandes campanhas de arrecadação de auxílio aos pobres em Jerusalém (Atos 11 e 2 Coríntios 8-9). Ao motivar as doações na comunidade de Corinto, na campanha em favor dos cristãos em Jerusalém (8.1ss), ele cita a partilha das comunidades pobres da Macedônia em favor dos cristãos da Judéia: “embora sendo muito pobres, deram as suas ofertas com grande generosidade” (8.2). As doações tornaram-se testemunhas da graça e da ação transformadora de Deus.
O Imperador Juliano (361-363), que negou o cristianismo, embora batizado e educado na fé cristã, naquela época constatou (Epístula as Arsacium) que a prática cristã, baseada na solidariedade e no cuidado com os necessitados, promovia o cristianismo em seu Império com maior eficácia do que as outras religiões.
Nesta reflexão é bom incluir afirmações do Reformador Martin Luther: “Se cada qual servisse ao seu próximo, o mundo inteiro se encheria de adoração a Deus”. “Tanto o sujeito que trabalha no curral como o menino que estuda na escola servem a Deus”.
O Reformador concebeu a presença incondicional de Deus na diaconia, na solidariedade, no amor ao próximo. É surpreendente e abençoada a compreensão teológica daquela época de que o quotidiano das pessoas, vivido com ética e dignidade, é serviço a Deus.
Entretanto, já ouve o tempo (combate ao iluminismo) em que muitas Igrejas pregavam a participação humana na construção de um mundo mais justo e digno como uma concorrência à glória de Deus, à ação transformadora de Deus. Deus e os seres humanos eram vistos como rivais. A ação generosa e ética dos seres humanos não tinha valor, ameaçava o crédito salvador de Deus. Ainda hoje, em alguns segmentos da atual prática cristã essa compreensão, deslocada de seu contexto histórico, persiste como pano de fundo dos conteúdos da fé e como paradigma da missão.
Compreende-se, portanto, pela revelação da Palavra de Deus, que a participação humana na obra salvífica de Deus, através da partilha e da solidariedade, resgata uma das dimensões da justificação, da reconciliação de Deus com o ser humano, que o torna parceiro e sujeito no cuidado com a criação e com as criaturas, na construção da história com relações humanas justas e transformadas. Assim como os discípulos foram vocacionados para participarem da missão de Jesus (tornaram-se pescadores de vidas humanas), a missão de Deus hoje inclui os seres humanos dispostos a amar, a partilhar e a crer na vida.
Essa missão, feita de amor e de doação, vida partilhada em comunidade – Corpo de Cristo, liberta a miséria humana, o pecado da desigualdade, da injustiça, da indiferença e do rompimento com a comunhão com Deus. Essa missão questiona a injustiça estrutural, social e pessoal, a desigualdade, a destruição dos meios de vida. È profética. Denuncia as grandes estruturas e mecanismos da morte e anuncia a construção da vida, através da solidariedade e da partilha de bens e de dons, feitas de ações e de relações humanas quotidianas, comunitárias, familiares, simples, sensíveis e inclusiva. A Palavra de Deus revela que essa missão é como a menor das sementes, é como fermento, é um banquete, uma festa de vida inclusiva.
Essa missão é feita de grandes e de pequenos gestos, que inclui a nossa humanidade, nossos dons, possibilidades transformadoras e também a nossa fraqueza, os nossos limites. Para viabilizar a missão com a nossa participação, Jesus Cristo trouxe ao mundo os atributos do seu reino: o batismo, o perdão, a graça, a cura, a comunhão, a oração, a bênção, a paz, a liberdade, a possibilidade de nascer de novo, a inclusão das crianças, dos pequenos e dos que nada são. Os pecadores, as pecadoras, os fracos e os  pequenos agora participam. A viúva pobre participou com o que não tinha (Lc 21.1-4). Ao que pegou pouco nada faltou.
Através da doação e da partilha, do amor e da solidariedade, não somos somente o alvo da missão, da ação transformadora de Deus. Participamos dela, como vidas vocacionadas para interagirem com a revelação da graça de Deus, uma experiência singular, sagrada e libertadora.
Em meio à pluralidade religiosa, tocados pela diversidade e contradições das comunidades e igreja cristãs, entre tantas incertezas diante das diferentes doutrinas, da retórica e dos conteúdos da fé, diante das inúmeras práticas da espiritualidade, um paradigma é inquestionável: a doação com generosidade; a partilha de bens, de valores e de dons; a solidariedade.
A partir desta reflexão, concluímos que as doações em dinheiro, de bens e de dons, também a participação na comunidade de fé são missionárias.  A missão resulta da participação, de doações generosas, de dons, de trabalho e de dedicação de muitos. Elas transformam vidas. Revelam a graça e a misericórdia de Deus. Envolvem os próprios beneficiados pelas ações, na missão de transformar seres humanos, estruturas familiares e sociais; na missão de salvar vidas do ódio, do sofrimento, da injustiça, da fome, da violência e da morte.

Guilherme Lieven

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