“Ao que muito pegou, nada sobrou; ao que pegou pouco, nada faltou!” (Êx.16.18)
A partilha generosa de bens e de cuidados, exercida com amor,
é missionária. Ela comunica Deus, comunica misericórdia, expressa amor. A
solidariedade cristã é profundamente espiritual. Sempre surpreendente é mensageira
de novidade de vida. Ela é missionária.
Para o apóstolo Paulo a doação de bens e de dinheiro aos
necessitados é uma ação espiritual, uma revelação da graça de Deus (2 Co 8.1).
Ele envolveu-se em duas grandes campanhas de arrecadação de auxílio aos pobres em Jerusalém (Atos 11
e 2 Coríntios 8-9). Ao motivar as doações na comunidade de Corinto, na campanha
em favor dos cristãos em Jerusalém (8.1ss), ele cita a partilha das comunidades
pobres da Macedônia em favor dos cristãos da Judéia: “embora sendo muito pobres, deram as suas ofertas com grande
generosidade” (8.2). As doações tornaram-se testemunhas da graça e da ação
transformadora de Deus.
O Imperador Juliano (361-363), que negou o cristianismo,
embora batizado e educado na fé cristã, naquela época constatou (Epístula as Arsacium) que a prática
cristã, baseada na solidariedade e no cuidado com os necessitados, promovia o
cristianismo em seu Império com maior eficácia do que as outras religiões.
Nesta reflexão é bom incluir afirmações do Reformador Martin
Luther: “Se cada qual servisse ao seu
próximo, o mundo inteiro se encheria de adoração a Deus”. “Tanto o sujeito que
trabalha no curral como o menino que estuda na escola servem a Deus”.
O Reformador concebeu a presença incondicional de Deus na
diaconia, na solidariedade, no amor ao próximo. É surpreendente e abençoada a
compreensão teológica daquela época de que o quotidiano das pessoas, vivido com
ética e dignidade, é serviço a Deus.
Entretanto, já ouve o tempo (combate ao iluminismo) em que muitas Igrejas
pregavam a participação humana na construção de um mundo mais justo e digno
como uma concorrência à glória de Deus, à ação transformadora de Deus. Deus e
os seres humanos eram vistos como rivais. A ação generosa e ética dos seres humanos
não tinha valor, ameaçava o crédito salvador de Deus. Ainda hoje, em alguns
segmentos da atual prática cristã essa compreensão, deslocada de seu contexto
histórico, persiste como pano de fundo dos conteúdos da fé e como paradigma da
missão.
Compreende-se, portanto, pela revelação da Palavra de Deus, que
a participação humana na obra salvífica de Deus, através da partilha e da
solidariedade, resgata uma das dimensões da justificação, da reconciliação de Deus
com o ser humano, que o torna parceiro e sujeito no cuidado com a criação e com
as criaturas, na construção da história com relações humanas justas e
transformadas. Assim como os discípulos foram vocacionados para participarem da
missão de Jesus (tornaram-se pescadores de vidas humanas), a missão de Deus
hoje inclui os seres humanos dispostos a amar, a partilhar e a crer na vida.
Essa missão, feita de amor e de doação, vida partilhada em comunidade – Corpo
de Cristo, liberta a miséria humana, o pecado da desigualdade, da injustiça, da
indiferença e do rompimento com a comunhão com Deus. Essa missão questiona a
injustiça estrutural, social e pessoal, a desigualdade, a destruição dos meios
de vida. È profética. Denuncia as grandes estruturas e mecanismos da morte e
anuncia a construção da vida, através da solidariedade e da partilha de bens e
de dons, feitas de ações e de relações humanas quotidianas, comunitárias,
familiares, simples, sensíveis e inclusiva. A Palavra de Deus revela que essa
missão é como a menor das sementes, é como fermento, é um banquete, uma festa
de vida inclusiva.
Essa missão é feita de grandes e de pequenos gestos, que inclui
a nossa humanidade, nossos dons, possibilidades transformadoras e também a
nossa fraqueza, os nossos limites. Para viabilizar a missão com a nossa
participação, Jesus Cristo trouxe ao mundo os atributos do seu reino: o
batismo, o perdão, a graça, a cura, a comunhão, a oração, a bênção, a paz, a
liberdade, a possibilidade de nascer de novo, a inclusão das crianças, dos
pequenos e dos que nada são. Os pecadores, as pecadoras, os fracos e os pequenos agora participam. A viúva pobre participou
com o que não tinha (Lc 21.1-4). Ao que pegou pouco nada faltou.
Através da doação e da partilha, do amor e da solidariedade,
não somos somente o alvo da missão, da ação transformadora de Deus.
Participamos dela, como vidas vocacionadas para interagirem com a revelação da
graça de Deus, uma experiência singular, sagrada e libertadora.
Em meio à pluralidade religiosa, tocados pela diversidade e
contradições das comunidades e igreja cristãs, entre tantas incertezas diante das
diferentes doutrinas, da retórica e dos conteúdos da fé, diante das inúmeras
práticas da espiritualidade, um paradigma é inquestionável: a doação com generosidade;
a partilha de bens, de valores e de dons; a solidariedade.
A partir desta reflexão, concluímos que as doações em dinheiro, de bens e de dons, também a participação na comunidade de fé são missionárias. A missão resulta da participação, de
doações generosas, de dons, de trabalho e de dedicação de muitos. Elas transformam vidas. Revelam a
graça e a misericórdia de Deus. Envolvem os próprios beneficiados pelas ações, na missão de transformar seres humanos, estruturas familiares e sociais; na
missão de salvar vidas do ódio, do sofrimento, da injustiça, da fome, da
violência e da morte.
Guilherme Lieven