Viver a fé cristã em comunidade nas
cidades é um bem precioso e ao mesmo tempo um desafio. A fé cristã, a comunhão
com Deus, o chamado para amar a Deus e uns aos outros movem as pessoas para a
vivência da fé em comunidade. Na cidade, no quotidiano, impactado pelo
movimento urbano enfrenta-se a dificuldade para administrar as prioridades.
Pode-se afirmar que nesse contexto as pessoas são agendadas ao ponto de
comprometer suas opções. E a vida comunitária de fé exige opção,
comprometimento, participação. A fé cristã não é uma mercadoria, um bem
material a ser adquirido, tal como um objeto pessoal de uso privado. A vivência
da fé cristã cria a interação com Deus e com o outro. E, por isso, se faz
necessário comprometimento, fidelidades e identificação. O ganho não é
episódico. Ele se substancializa na interação com a presença de Deus, que
comunitariamente torna-se percebida e alcançada quando há comunhão, diálogo, doação,
serviço e amor, quando a comunidade cuida uns dos outros e é conduzida pela
ação salvadora de Deus.
As comunidades luteranas nas metrópoles
do sudeste brasileiro nasceram com a influência do modo comunitário de ser
Igreja. O templo e a estrutura física, o espaço comunitário foi construído
depois. Os cultos, os estudos bíblicos e a articulação de tarefas comunitárias
e de serviço aos outros, a diaconia e a evangelização aconteceram primeiro, nas
casas, ou em espaços pequenos e improvisados. Com doação e espírito de corpo construíram
seus espaços para a vida comunitária e testemunho da fé em Jesus cristo. Foram
preparados e construídos a partir da visão e da dimensão comunitária da fé.
Em épocas diferentes as
comunidades luteranas correram o risco de contradizer o conteúdo da fé, ao
permitirem que a vida comunitária recebesse influência e motivações de forças
de proteção interna, exclusão do outro, do desconhecido, do necessitado, dos
que viviam à margem ou perseguidos na sociedade desigual e injusta.
Hoje essas mesmas características
e forças comunitárias, pela graça de Deus, tal como no passado, voltaram a
servir e a se inserir no contexto e na realidade urbana como sinais de paz,
porta vozes da esperança e da dignidade de vida, que questiona o comercio da
fé, a manipulação do sagrado, também os valores, poderes e estruturas da
sociedade que instrumentalizam a Criação, os seres humanos e a vida em peças de
um grande mercado.
O jeito luterano de viver a fé
cristã se apresenta no labirinto das cidades como um espaço alternativo e
singular para as pessoas buscarem a Deus. Oferece o caminho da vivência da fé a
partir da comunhão uns com os outros e desenvolve uma rede de interações e
compromissos. Por exemplo, práticas e ações comunitárias que promovem atividades,
tais como, encontros, atividades litúrgicas e de formação, envolvimento em
projetos públicos e diaconais. Esse modelo de vivência da fé pressupõe a
partilha, participação e doação despidas de interesses e satisfações pessoais,
e as motivações relacionadas ao chamado, a vocação e a missão de Deus a partir
da proclamação das Sagradas Escrituras, da administração dos sacramentos e da
construção de sinais da vida plena que há de vir.
As metrópoles estão repletas de
sinais. Nelas a vida não seria possível sem eles. Indicam e revelam caminhos, endereços,
também onde há perigo, ameaças, violência, da mesma forma, onde encontrar-se
com o outro, espaços para trabalhar, passear e descansar. O contexto urbano é
formado por sinais e espaços que são essenciais para a existência humana.
A comunidade cristã, preparada
para oferecer a vivência comunitária da fé apresenta-se nesse contexto como um
precioso espaço de cuidado com a vida, embebido de amor, alegria, gratidão,
liberdade e paz. Hospeda a presença de Jesus Cristo, a sua paz, o evangelho.
Reúne e acolhe pessoas, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos para naturalmente
resistir aos meios da morte, às propostas hedonistas de vida e, assim,
interagir na realidade urbana de forma profética e propositiva, com coragem e
esperança.
Não é o único e o mais popular.
Com as dificuldades de fazer escolhas e definir prioridades, as pessoas nas
cidades geralmente não qualificam o espaço comunitário da fé cristã como primeira
necessidade. Além do primeiro espaço da casa, movimentam-se nos espaços públicos
e privados de trabalho, educação e lazer.
O espaço comunitário religioso da comunidade cristã, quase sempre é o
penúltimo.
Na sombra das prioridades urbanas
permanece o desafio de garantir ao espaço da comunidade cristã o carisma, a
força e o dom de incidir em diferentes contextos das metrópoles com a mensagem,
espaço e sinal, que cria dignidade e novidade de vida, o bem precioso que em plenitude
há de vir.
(Guilherme Lieven)