As Estações, a Primavera
É primavera no hemisfério norte. Para nós ela chegará somente após o inverno. Mesmo que em nosso hemisfério as diferenças entre as estações não são tão nítidas é possível perceber quando uma nova estação chega. Não é primavera. O perfume ainda não mudou. Poucas flores estão por aí. Em muitas circunstâncias e situações e em todas as estações a vida mostra a sua força, ela prossegue. Mas na Primaverá é fácil aguçar a sensibilidade e perceber que a vida está renascendo, está manifestando o seu lado belo e sedutor com suavidade, fragrâncias e cores.
Aprendemos aos poucos a linguagem da natureza. Deixamos de destacar somente a sua fúria, aquela que se manifesta através dos furacões, dos terremotos, das secas e das enchentes, e passamos a olhar com carinho a sua beleza, a sua força vital e os seus fenômenos que, antes, gestam a vida. Compreendemos que a natureza e os seres humanos se interagem, são dependentes um do outro, que a vida e a manutenção dos recursos naturais dependem da qualidade desta interação. Já é consenso em alguns segmentos da comunidade humana que o nosso mundo interno, saúde ou doença psicológica, saúde ou doença emocional, carências, afinidades, sonhos, fantasias, medos, angústias, alegrias e tristezas, sofre influência e interferência direta do mundo externo, da luz, dos aromas, do calor, da fauna, da flora, do ar, da água, das cores, da chuva, do vento e da terra.
Na primavera esta interação entre os seres humanos e a natureza se intensifica, é favorecida pela beleza e exuberância do mundo externo. Podemos festejar: é primavera! Creio que o louvor à primavera, descrito acima, está de bom tamanho. Mas, na verdade, lembrei-me da primavera para partilhar uma outra reflexão. A nossa vida é uma estação permanente de renovação e crescimento, assim como o é a primavera.
A nossa renovação e crescimento passam pela combinação de várias experiências feitas com o outro, com Deus e com o meio em que vivemos. Crescemos e nos renovamos com os limites e com as crises. Necessitamos de referências, de valores estruturais e de horizontes, assim como de cuidados, de estímulos e da intervenção formativa do outro, especialmente quando marcados pela liberdade, partilha e fé.
No decorrer do tempo, sempre primaveril, as nossas experiências de vida se refazem. Alguns dos nossos referenciais, conteúdos de fé, fundamentos e horizontes se transformam, outros permanecem os mesmos para responderem, ou corresponderem, à dinâmica da vida que reage todos os dias diante de desafios e perguntas impostas pelas novas situações.
Somos vidas de Deus, dádivas de vida, chamadas por Cristo para viverem, por fé, esta renovação, incondicional e gratuita, que acontece através da dinâmica da vida, regida pelo evento salvífico da cruz e da ressurreição. Por isso, é compreensível dizer que somos, pela fé, pessoas que se renovam pela graça de Deus, que renascem e se transformam através de experiências que acontecem com o outro e com o mundo, mediadas pela vontade e pelo amor de Deus.
E partilho, agora, o mais importante dessa reflexão: numa realidade onde todos estão presos e limitados, feridos e marcados negativamente de várias formas e maneiras, somos desafiados a fazerem novas experiências de vida, que perfumem e embelezem o mundo. Nossa vocação é esta. Nossos dons e capacidades são dádivas da graça de Deus, criadas para servirem e participarem da dinâmica sem fim da vida, aquela que se renova e renasce todos os dias. E, para isso, o melhor caminho é a vida comunitária, a vida em comunidade, porque ela nos oferece a combinação de várias experiências de vida com o outro, com Deus e com o mundo.